Famílias com ganho entre R$ 7.400 e R$ 9.700 sofrem com avanço do rendimento abaixo da alta de preços de itens como escolas, viagens e empregada doméstica e apertam orçamento
Com rendimento entre R$ 7.400 e R$ 9.700, famílias da tradicional classe média brasileira (hoje classe B) estão levando a vida no sufoco. É que está cada dia mais difícil manter o padrão tipo A de consumo num país que caminha para o primeiro mundo, levando consigo – e para o alto – os preços de serviços, empregados domésticos, escolas, viagens, médicos, dentistas e até manicure. A chamada classe B não alivia o orçamento usando serviços públicos, em parte degradados, como a classe C, mas também não tem a renda da classe A para bancar suas despesas. A situação piora em momentos de crise, como ocorreu em 2011.
Esse sufoco pode ser retratado com um dado curioso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que mostra que a renda que mais cresce no Brasil é a das pessoas com menor escolaridade em comparação com a da tradicional – e educada – classe média. Um recorte da Pnad, feito pelo Centro de Políticas Sociais (CPS), da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que no país as famílias chefiadas por analfabetos tiveram um aumento de 53,5% em sua renda entre 2001 e 2009, ante uma queda de 9% na renda das famílias nas quais as pessoas de referência têm 12 anos ou mais de estudos completos. No mesmo período, a renda dos indivíduos com pelo menos o curso superior incompleto subiu 17,5%, enquanto a dos sem escolaridade avançou quase três vezes mais: 46,7%.
Para apagar o incêndio, muitos serviços começam a ser cortados pela classe B. Dados do CPS apontam para um fenômeno que Marcelo Neri, seu coordenador, já apelidou de indianização da economiabrasileira. Segundo ele, entre 2001 e 2009, última informação disponível, a renda dos brasileiros 10% mais ricos cresceu 12,8%, enquanto a dos 50% mais pobres evoluiu 69,08%. “A renda cresceu 580% mais rápido no lado ‘indiano’ do Brasil do que do lado ‘belga’. A ideia de uma ‘Belíndia’ continua mais atual do que nunca. Só que o lado indiano cresce enquanto o belga é rebaixado”, explica.
Além da alta dos preços, essa camada da população vem sendo bombardeada pela globalização e pela evolução da tecnologia. Hoje uma família de classe B quer ter vários – e bons – telefones celulares, para os pais e para os filhos. É preciso pagar internet, TV a cabo, cursos de línguas, escolas de alto nível para as crianças. As famílias também se sentem pressionadas a comprar os melhores computadores, notebooks, tablets. O problema é que a correção anual dos rendimentos do trabalho não acompanha uma intensificação tão grande nos gastos. “Sinto que hoje temos tudo muitas vezes e pagamos muitas vezes também. O celular é câmera e, ao mesmo tempo, internet. O computador também oferece vários serviços e a TV idem. A comunicação e a informação chegam várias vezes, por vários meios”, diz a dona de casa Kátia Signorini.
Para eles, não é fácil fechar as contas do orçamento doméstico. Enquanto entre 2001 e 2009 a renda dessas famílias cresceu 10%, os gastos com empregados domésticos avançaram 109,9% entre 2002 e 2009. De 2009 a 2011, subiram mais 25,1%, aponta o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país. Do mesmo modo, os gastos com os filhos que cursam o ensino médio ficaram 73,9% mais caros de 2002 a 2009 e ainda subiram mais 17,2% entre 2009 e 2011. Os preços das passagens aéreas subiram 114,5% entre 2002 e 2009 e outros 63,1% nos últimos dois anos. O valor das consultas médicas subiu 68,8% entre 2002 e 2009 e 24,6% de 2009 ao ano passado. E a conta de telefone celular 72,1% no primeiro período. No segundo, subiu mais 7,4%. Só para ficar nesses exemplos.
Corte de gastos e austeridade
Para apagar o incêndio, muitos gastos começam a ser cortados. “A classe B pagou o pato pelo desempenho ruim da economia no ano passado”, diz o diretor do curso de administração da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), o economista Tharcísio de Souza. Como esse contingente da população é relativamente pequeno em relação à C e D, seu sufoco termina sendo esquecido, segundo o professor. E o cenário não é otimista. De acordo com o especialista, os salários devem continuar este ano com reajustes abaixo da elevação do preço dos serviços. Ao mesmo tempo, a contrapartida pública, com cortes no orçamento da saúde e educação, não deve promover migração desta classe para a rede pública. “A classe B terá de cortar consumo e se contentar em se tornar C+ em vez de aspirar a se tornar A-”, compara, numa alusão ao sistema adotado pelas agências de classificação de risco.
Kátia Signorini não é especialista em finanças, mas antes de o seu orçamento adoecer ela começou um tratamento de choque, com medidas de austeridade. “O aperto do custo de vida é difícil de medir, mas fácil de sentir. A renda não acompanha a alta de preços”, diz. Sua família classe B mora na Zona Sul da cidade e para fazer frente ao reajuste de 10% da escola particular, ao crescimento dos preços do lazer como a alimentação fora de casa, e até dos medicamentos, alguns cortes foram feitos. “Não tenho empregado doméstico e raramente contrato uma diarista.” No lazer ela utiliza bastante os espaços públicos e sempre que pode participa de promoções em que ganha ingressos para o cinema. Ajustes necessários para manter produtos e serviços que fazem parte do topo da pirâmide social.
Pirâmide social
Classe renda familiar
A acima de R$ 9,7 mil
B acima de R$ 7,4 mil
C acima de R$ 1,6 mil
FONTE: FGV
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