Para alguns especialistas e profissionais que trabalham com direitos infantojuvenis, a criação e implantação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) trouxe debates importantes sobre o atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Uma das discussões que mais avançou, e onde o Suas traz uma das mudanças mais evidentes, é no atendimento ao adolescente em conflito com a lei em cumprimento de medidas socioeducativas, principalmente em meio aberto. Maria do Rosário Corrêa Sales Gomes, professora de pós graduação do Programa Adolescente em conflito com a lei da Universidade Bandeirantes de São Paulo, explica que “as medidas socioeducativas em meio aberto vem sendo trazidas desde o Estatuto da Criança e do Adolescente e recentemente foram reguladas pelo Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo)”. Segundo ela, as medidas de internação estão sendo vistas como ação de excepcionalidade. “Ou seja, a ênfase deve ser dada à municipalização, a preservar o princípio da convivência familiar comunitária para que esse menino ou menina participe dessa medida de caráter pedagógico e sancionatório”.
A efetiva aplicação desse modelo a todo o Brasil, entretanto, encontra grandes obstáculos. O Superintendente Estadual de Atenção à Criança e ao Adolescente, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do estado de Pernambuco, Fernando Silva, destaca que não há orçamento compatível para suprir a demanda de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas tanto em internação quanto em liberdade.
O especialista defende a definição de um percentual mínimo do orçamento federal para a assistência social, atrelado aos valores do PIB anual. Destaca que Cras e Creas, na maioria das vezes, não possuem psicólogos, pedagogos ou até profissionais especializados na defensoria técnica jurídica. “Há uma necessidade de retomar essa discussão do orçamento para se ter um desenho que vá além do que está consagrado hoje”, afirma. Ele propõe “avançar em um diálogo Suas e Sinase para ter uma NOB de recursos humanos específica para medidas socioeducativas”.
A ex-Ministra de Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, não defende de forma clara a necessidade de um percentual do orçamento. Segundo ela, esse é um debate que não está fechado. “É claro que a demanda é sempre muito maior, que ainda precisamos ampliar os nossos orçamentos, mas isso caminha junto com o processo de crescimento do Brasil, de desenvolvimento e estabilidade. Mas esse é um debate que não está terminado, ainda está em pauta na Câmara e também no governo”.
Já a professora Maria do Rosário destaca que só é possível pensar numa escala de descentralização e municipalização das medidas socioeducativas pelo Brasil se for assegurado o financiamento. De acordo com ela, o Plano Plurianual de Assistência Social, feito pela primeira vez em 2008, representou um avanço nesse sentido, já que garantiu recursos federais ao serviço denominado “Proteção Social aos Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas, Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade”.
Para Fernando Silva, entretanto, não basta apenas garantir um financiamento mínimo para a assistência social e para programas específicos, mas é preciso ter orçamentos condizentes com a demanda do Sistema de Garantia de Direitos como um todo, garantindo recursos às áreas de educação, saúde, esporte e cultura. Somente assim, segundo ele, é possível criar de fato o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente previsto pelo ECA. “Se eu tenho crianças e adolescentes usuários de droga, não bastam os equipamentos da assistência. Eu tenho que ter no mínimo [os equipamentos do Sistema da] Saúde e do Sistema de Proteção”, reforça.
(Meu comentário:
Em Açailândia do Maranhão, adolescentes em conflito com a lei podem ser sentenciados pela Justiça ao cumprimento de duas medidas socioeducativas: Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (LA).
Cabe ao CREAS/Centro de Referência Especializado de Assistência Social, órgão da Secretaria Municipal de Assistência e Promoção Social, a execução dessas medidas.
Ao CONTUA/Conselho Tutelar de Açailândia não cabe missão executiva, de atendimento direto, mas como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”, acompanhar como anda o atendimento das medidas socioeducativas.
No entanto, muitos/as adolescentes são destinados/as a Imperatriz, para cumprirem medidas de custódia/semi-liberdade, ou a São Luis, para cumprir internação,em unidades da FUNAC/Fundação da Criança e do Adolescente, do governo estadual.
Ficam distantes de suas famílias, que não recebem devida assistência, devido acompanhamento, nem da FUNAC, nem do município (assistência social/CREAS e saúde, educação, sobretudo), não são “trabalhadas” num processo racional, planejado, de preparação para o retorno de seu/sua adolescente, que muitas vezes retorna num caixão (como aconteceu com Clésio, Guilherme, Rafael, Thiago, assassinados na ilha-capital) ou são assassinados logo após seu retorno (como ocorreu com Edileno, Rafael) ou em situações piores do que quando foram, não se reintegrando às famílias e comunidades (como Cristiane).
Nessas condições, as medidas socioeducativas não tem nenhuma eficácia, revelando as fragilidades de todo o sistema de atendimento, estadual e municipal.
O município de Açailândia deverá contar com um “Plano Municipal de Atendimento de Medidas Socioeducativas”, ainda este ano, sob coordenação do COMUCAA/Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a intenção de, pelo envolvimento da sociedade e do Poder Público, diagnosticar, debater e propor ações que transformem essa chocante realidade social, de descaso e ineficácia no resgate de adolescentes que infringiram, muitas vezes levemente, a lei, e de suas famílias e comunidades, o que leva quase sempre à reincidência, e à morte precoce e violenta.
(do Portal Pró-Menino, 20/01/2011)
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