O Maranhão, mais uma vez, foi motivo de vexame nacional. Em matéria veiculada pelo programa Fantástico, da Rede Globo – neste domingo (30) – foram exibidas cenas do descaso, da falta de estrutura e do estado de abandono do sistema prisional maranhense. Em um raio-X das delegacias do nosso Estado, a equipe de reportagem do Fantástico flagrou o caos e o tratamento desumano dispensado aos presos nestas unidades. Um verdadeiro escândalo nacional que demonstra falhas graves na política de segurança pública do governo Roseana Sarney.
A primeira delegacia visitada pela equipe do Fantástico, na incursão que fez por vários distritos policiais do interior do Estado, foi a de Bacabal. Lá, um fato deprimente: uma espécie de ‘gaiolão’ era utilizado para armazenar os presos, como se estivessem em um zoológico. Verificou-se que o que era para ser uma cela, mais parecia uma jaula para seres humanos. Foi constatado pelo repórter que não havia água, banheiro e muito menos teto. Se começasse a chover, sem opção, os presos ficavam na chuva.
Os encarcerados relataram ao repórter o sofrimento por qual passavam. “Agorinha, eu rezei para não chover mais. Se cair outra chuva aqui, Ave Maria, nós estamos mortos. Desejava mais morrer do que ficar aqui dentro”, desabafou um preso. (Veja no vídeo acima).
“Ela é destinada ao banho de sol e ao encontro de visitantes. Mas, na verdade, funciona como um depósito para colocar presos”, explicou à reportagem o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Maranhão, Amon Jessen.
Jibóia na delegacia de Bacabal
A delegacia de Bacabal, onde a “jaula” foi encontrada, abriga outros 30 presos. A falta de higiene é tanta que os funcionários criam uma jibóia, para que ela coma os ratos do local.
“É realmente uma situação que não é típica, que não deve ser constante e que realmente a gente precisa ver o que está acontecendo”, afirmou, visivelmente desconcertado, o secretário de Segurança do Maranhão, Aluísio Mendes. Há meses no cargo, Aluisio diz que ainda precisa ver o que está acontecendo. Com a aquisição recente pelo governo do Estado do helicóptero EC145, dotado da mais moderna tecnologia, oportunidades mais não irão faltar.
Delegacia de Miranda vazia
O Fantástico pôde constatar ainda uma série de irregularidades em outras delegacias do Estado. Em Miranda do Norte, por exemplo, um cenário de total abandono. Às 17h não havia nenhum policial civil, o computador não funcionava e muita sujeira acumulava-se no local. O cheiro era muito forte. O investigador precisou sair da delegacia para atender uma ocorrência e os detentos, entre eles assassinos e assaltantes, só não fugiram porque não quiseram.
‘Bem-vindo ao inferno’
Na delegacia de Santa Inês, o aviso de precariedade vem estampado na parede da cela: “bem-vindo ao inferno”. Segundo as imagens mostradas pelo Fantástico, homens e mulheres cumprem pena no mesmo prédio. Elas ficam em uma sala improvisada como cela. Como não há banheiro, as mulheres usam um balde.
“As delegacias de polícia servem apenas de depósito de pessoas humanas e, infelizmente, geralmente, saem piores do que entraram”, disse Walter Nunes, do Conselho Nacional de Justiça.
Fechada
Em Buriticupu, o Fantástico encontrou a delegacia fechada. Não tinha ninguém. Em 2007, ela foi queimada em um protesto. Em 2011, um novo prédio deve ser inaugurado. O distrito policial funciona em uma casa improvisada.
A consequência da falta de policiais na cidade foi vista por todo lado. Durante a matéria, o repórter pergunta se lá se pode andar sem cinto. “É, por aqui todo mundo anda”, contou um motorista. E, quando pergunta o porquê de ninguém usar capacete, um motoqueiro responde: “Porque aqui não tem lei”.
A reportagem mostrou o caso de José Amaro, trabalhador rural, 46 anos, que foi assassinado em março do ano passado. A sobrinha chegou a levar o corpo para a porta da delegacia. Mesmo assim, a polícia não registrou o boletim, nem começou as investigações.
Portanto, pelo menos no papel, José Amaro continua vivo. O repórter pergunta: “E eles falavam por que você não podia registrar?”. “Porque eu só era a sobrinha. Precisava ser uma pessoa mais próxima da família”, explicou a sobrinha.
A polícia disse que, para legalizar a situação, a sobrinha teria que ir a um cartório que fica a mais de 500 quilômetros de distância. “Que justiça é essa? O momento que a gente mais precisa, não consegue”, desabafou.
Assassino a solta em Açailândia
Em outra parte, o Fantástico relembra o episódio do lavrador Gilberto Lima, de 27 anos, que tem seis filhos e foi assassinado em junho de 2008. Em abril de 2009, a justiça decretou a prisão do suspeito de ser o mandante do crime: Adelson Araújo, um conhecido fazendeiro de Açailândia e patrão da vítima.
Gilberto estava com os salários atrasados, dizem os parentes na matéria. “Já tinha cobrado ele já umas três vezes e ele não pagava”, contou o irmão da vítima.
Mesmo com a ordem judicial, a polícia não fez nada. Foi a equipe do Fantástico que encontrou Adelson Araújo. O fazendeiro suspeito de ser o mandante do crime mora em um bairro de Açailandia. É um senhor que pode ser visto nas imagens do vídeo, de calça jeans e camisa branca e que está de costas para a equipe.
Em um bar ao lado da casa dele, Adelson Araújo dá risada, distribui cumprimentos. Segundo a Secretaria de Segurança, a prisão não foi cumprida porque a polícia espera desde julho do ano passado autorização judicial para prender mais 10 comparsas do fazendeiro.
Depois de o programa informar a localização do fazendeiro para a Secretaria de Segurança e para o Tribunal de Justiça, todas as prisões foram decretadas em um dia. Sexta-feira passada, Adelson Araújo e os dois filhos dele finalmente foram presos. Eles também são acusados de envolvimento no assassinato de outro funcionário da família.
“Nessa região, qualquer passo que se dê na justiça é uma grande vitória. E isso claro que reflete na violência porque as pessoas também ficam com a sensação de impunidade”, disse Nonnato Masson, da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão, finalizando a reportagem especial do Fantástico.
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