Carta às comunidades semana da Terra Padre Josimo lança a Carta às comunidades e coclama oas povos se manterem em lutas


Semana da Terra Padre Josimo. Carta às comunidades  
Nos dias 6 e 7 de maio, em Augustinópolis, Tocantins, os e as participantes da Semana da Terra Padre Josimo – III Seminário sobre Aquecimento Global e Economia Solidária – III feira da Agricultura Familiar – I Encontro de Pescadores e Aquicultores familiares do Bico do Papagaio, publicaram uma Carta às Comunidades.
Eis o texto.

CARTA ÀS COMUNIDADES

É hora de assumir. Se eu me calar, quem os defenderá?
Irmãos e irmãs de caminhada,

Convocados pela memória insurgente do nosso irmão maior, Padre Josimo, nos 25 anos da sua Paixão martirial, escrevemos essa Carta desde a cidade de Augustinópolis, no extremo norte do Tocantins. Vimos aqui para celebrar, em espírito de romaria, mais uma Semana da Terra Padre Josimo. Somos agricultoras, agricultores e pescadores, assentados e posseiros, acampados e sem-terra, camponeses, índios e quilombolas, mulheres e homens, jovens e menos jovens, filhos e filhas da terra e da água; somos movimentos e pastorais sociais, agentes de comunidade e pastores. Vimos de todos os municípios do Bico do Papagaio e das regiões vizinhas do Maranhão e do Pará.

Vimos para partilhar nossas inquietações, alimentar nossos sonhos e reafirmar nosso compromisso pela vida. Em seminário e oficinas, feira camponesa e animada festa na praça com o companheiro Zé Vicente e outros artistas da nossa terra, durante dois dias, estudamos as causas e os efeitos do chamado aquecimento global, identificamos os desafios da construção de uma economia solidária, apontamos para as saídas que nossas comunidades já vêm experimentando e dividimos os bonitos produtos da terra-mãe e da nossa arte cuidadosa.
Como dar o nome de desenvolvimento a um processo que, tal um rolo compressor abusivamente qualificado de “Progresso”, expande sem limite as monoculturas, tira nossa mata, planta eucalipto, barra rios, inunda nossos assentamentos, invade nossas posses e territórios tradicionais, mata nossos peixes, envenena terra, nascentes e a própria vida, expulsa nossas comunidades e abala o futuro dos nossos jovens, condenando-os a migrações forçadas, perigosas, enganosas, atrás da miragem do consumismo ou das drogas?

Como chamar desenvolvimento um crescimento insustentável que, esquecendo a vocação universal à dignidade e a promessa de vida em abundância para todos e para todas, esgota os recursos da natureza, reconcentra as terras e, para gerar mais e mais lucro, sacrifica vidas, escraviza trabalhadores, mata rios, florestas, ar e pessoas? Exemplos disso, compartilhamos de sobra:  

- é a imposição, a toque de caixa, de grandes projetos como o da Barragem de Estreito ou a anunciada e temida Barragem de Marabá: com o álibi de Audiências Públicas instrumentalizadas, fica desconsiderada a opinião real das comunidades atingidas, instaura-se o terror de ser prejudicado ou até criminalizado por simplesmente dizer “não”, e o medo de perder, em troca de migalhas, a terra duramente conquistada pelos pais;
- é a proliferação da violência, do tráfico, da prostituição de jovens e até de crianças, nas áreas de concentração dos grandes projetos do PAC; é o desastre anunciado de JirauBelo Monte e Marabá, bem como a imposição de condições degradantes a milhares de migrantes privados de qualquer alternativa decente; 

- é a discriminação de produtos típicos de nossa agricultura e aqüicultura camponesa, como o azeite de babaçu, o mesocarpo, o peixe ou a galinha caipira, na hora de compor os cardápios do Programa nacional de alimentação escolar; é a falta de incentivo e apoio técnico à viabilização de nossas cooperativas;

- é a interiorização do medo, da desconfiança, da perda da auto-estima; especialmente entre os jovens, é a negação ou a vergonha em assumir sua identidade camponesa, por parte de quem se sente discriminado na sua cultura, desprestigiado na sua humanidade e tratado como massa sobrante ou vale-nada;

- é a ameaça constante de ver aprovadas leis que retrocedam e abram mão de garantias e direitos fundamentais, a exemplo da flexibilização em curso doCódigo Florestal, em favor de grandes proprietários sem compromisso com o futuro da terra e enganosamente escondidos atrás do interesse dos pequenos;

- é a migração sofrida para grandes centros urbanos ou para o inferno dos canaviais por parte de nossos jovens, despreparados que são por conta de uma educação rural inadequada e precária, pela corrupção que extravia os recursos dos municípios do interior, pela falta de programas de geração de emprego qualificado no meio rural ou simplesmente de apoio técnico à consolidação da agricultura familiar.  

Nos dói constatar que um modelo tão desumano esteja ainda amparado em políticas do Estado ou respaldado por decisões do Judiciário, provocando o resultado de sempre: quem tem mais acumula ainda mais, e quem tem menos continua se afundando.

Frente a isso não desanimamos. Com a força da nossa organização, assumimos o olhar destemido e o evangelismo irredutível do mártir Josimo, e fazemos nossos os seus sonhos.
·         nos alegramos com os avanços já realizados em nossas comunidades tais como: experiências de conservação e resgate das sementes tradicionais;
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·         organização no associativismo e no cooperativismo em vista da comercialização; divulgação dos sistemas agro-florestais;
diversificação saudável da alimentação; garantia da soberania e segurança alimentar na comunidade;
·         aproveitamento e valorização dos produtos nativos; formação integral dos jovens; fortalecimento da organização das mulheres; construção de um sistema alternativo de educação do campo; resgate das culturas camponesas.
Continuaremos fazendo de nossas comunidades espaços de protagonismo, de cuidado e de solidariedade com a criação: na defesa das florestas, dos rios, do ar, das pessoas; no respeito e no cultivo da diversidade; na promoção de uma agricultura familiar e ecológica e de uma economia solidária.

Celebrando o jubileu do seu martírio, ainda no tempo da Paixão do mártir Jesus, reafirmamos que Josimo vive na esperança do povo que hoje escuta e dá continuidade ao seu legado cristão libertador. Como Igreja, não queremos esquecer essa memória. Sua mensagem continua vivíssima e sua vida um exemplo para as novas gerações (cuja participação foi significativa neste nosso encontro). As lembranças, os fatos, as palavras do nosso irmão são, para nós, testemunho de um amor muito maior do que a perseguição e a morte; e, ao mesmo tempo, de juízo sobre a história e de compromisso renovado na luta pelo Reino de Justiça que é Reino de Deus.

Continuaremos lutando para defender a dignidade humana; procurando eliminar as formas de opressão existentes; denunciando as diversas injustiças sociais. Instruindo, conscientizando, iluminando nosso povo para que ele acorde, enxergue a verdade, re-adquira sua dignidade e se mobilize para sua libertação e, assim, procure fomentar uma nova sociedade conforme ao plano de Deus sobre o homem e sobre o mundo.

“Nas mãos do povo, nas línguas da história: o desafio da nova sociedade. Como se descama o peixe, e com sal lhe devolve o gosto ardente que sacia a fome aguda de quem navega a liberdade, assim os pequenos e oprimidos, em passos de esperança, arrancarão de nossa história o medo e, com palavras vivas de quem luta, canta e clama, nutrirão as entranhas do tempo com o sangue do direito e da justiça. Homens e mulheres, cada ser do universo, construirão o movimento inesgotável da libertação definitiva”. (Desafio, poema de Josimo Tavares).

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