Com o pai afastado da família pela justiça por
abusar sexualmente de um dos nove filhos, não restou alternativa para os quatro
irmãos mais velhos a não ser tomarem a frente do orçamento familiar. Vivendo
com aproximadamente R$ 700 por mês, divididos entre alimentação e contas de
água e gás, a mãe mora com os filhos num porão cedido por um vizinho, na região
do ABC Paulista, sem janelas e com colchonetes espalhados pelo espaço, que é quarto,
banheiro e cozinha ao mesmo tempo.
“Eu tento ir pra escola, mas não dá.
Saio do trabalho sempre muito tarde”. Essa é a frase repetida por cada um dos
filhos, de 13, 15, 16 e 17 anos, que passam horas em busca de trocados com
reciclagem e nos comércios do bairro. Não há contrato, valor estipulado ou
horas fixas, e o ritmo de trabalho varia de acordo com a demanda, sendo até
mais de 10 horas por dia, principalmente aos fins de semana ou feriados.
“Atualmente os três mais velhos tentam supletivo, mas não conseguem terminar
por falta e cansaço”, afirma a educadora social que acompanha o caso da
família, Ivone Nosula.
Ser o arrimo da casa é a
responsabilidade de quase 660 mil adolescentes de 15 a 19 anos no país. A
pesquisa é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio
do Censo 2010, que revela ainda que mais de 131 mil crianças brasileiras entre
10 e 14 anos também são chefes de família.
Apesar do trabalho no Brasil ser
proibido para pessoas com menos de 16 anos, com exceção da condição de
aprendiz, os dados revelam que o trabalho infantil ainda é a principal fonte de
renda de muitas famílias brasileiras. “É uma situação histórica, bastante
antiga no país. Não é somente uma questão de pobreza, mas de perda de um dos
progenitores e também uma questão de cultura quando se acredita que a única
forma de educação e socialização é por meio do trabalho. Isso não é real”, diz
o coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes.
Infância roubada
As crianças e adolescentes que
trabalham antes do tempo ficam deslocados socialmente por, ao mesmo tempo,
ainda não serem adultos e terem a infância roubada, como explica Nosula. “A
realidade da fome, do trabalho na rua e dos vários tipos de abusos faz com que
a criança deixe de brincar e use a imaginação porque estas atividades perdem o
sentido”. A educadora, que também já foi professora na rede municipal de
ensino, aponta que é o papel da escola estabelecer um laço de segurança para
essa criança. Porém, isso não acontece. “Quando a criança chega à escola com
sono, suja e dispersa, dificilmente ela encontra um olhar acolhedor ou algum
profissional que questione sua rotina. Muitas escolas tratam o aluno com discriminação,”
lamenta.
A instituição de ensino é fundamental
para a formação e socialização da criança e do adolescente, mas está longe de
ser o ideal. “Os fatores determinantes para combater o trabalho infantil são
quando a instituição escolar tem professores com bons salários, condições
adequadas de trabalho, conteúdo diversificado e mais de um período disponível
para as crianças e adolescentes”, Mendes.
Alternativas insuficientes
Apesar daquela família no ABC Paulista
receber R$ 180 pelo Bolsa Família por meio do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (Peti) desde 2011, não existe a possibilidade dos filhos
pararem de trabalhar. “Como a criança vai sair da situação de trabalho infantil
se ela é o sustento da casa?”, questiona Nosula.
Mesmo os três adolescentes mais velhos
não terem frequentado a escola, os outros seis filhos estudam e estão inseridos
no programa de educação em tempo integral do governo federal, Mais Educação.
“Os mais novos conseguem se relacionar melhor que os mais velhos, por terem
espaço e tempo para socialização e brincadeiras”, explica a educadora. “Porém
as crianças são extremamente acuadas com qualquer pessoa que não seja do
convívio natural, porque vivem numa situação de pobreza que é vergonhosa e elas
se sentem mal por isso”.
Para Mendes, o Brasil está num caminho
adequado no combate ao trabalho infantil, mas ainda é necessário maior
integração e interiorização das políticas públicas. “A politica pública federal
não atinge os municípios que mais tem casos de trabalho infantil e mais
precisam dela. Por isso, é necessário a municipalização da politica de
eliminação do trabalho infantil”.
“O trabalho é uma alternativa
educacional desde que seja feito no momento propício, na idade certa e de forma
adequada, garantindo que o adolescente não tenha danos ao seu corpo e ao
processo escolar no sentido de desenvolvimento”, conclui Mendes.
(Por Yuri Kiddo, da Cidade Escola Aprendiz. Boletim PróMenino,
22/11/2012)
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