Rio de Janeiro - Há 90 anos, o dia 7 de
setembro de 1922 marcou a primeira transmissão de rádio no país que ocorreu
simultaneamente à exposição internacional em comemoração ao centenário da
Independência do Brasil, inaugurada pelo presidente Epitácio Pessoa.
A primeira transmissão radiofônica será
revivida hoje em um programa especial das rádios da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – Rádio Nacional e Rádio MEC - e daTV Brasil. Transmitido a partir do
Parque do Flamengo, na zona sul do Rio, o programa de 52 minutos, começará às
12h30, vai recontar o momento histórico, com direito a números musicais e a
dramatização dos principais personagens do evento. Caberá ao veterano radioator
Gerdal dos Santos, integrante da Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
interpretar, devidamente caracterizado, o presidente Epitácio Pessoa.
O então discurso do presidente, em meio
ao clima festivo do evento, abriu a programação da exposição, tornada possível
por meio de um transmissor de 500 watts, fornecido pela empresa norte-americana
Westinghouse e instalado no alto do Corcovado. Apenas 80 receptores espalhados
na capital e nas cidades fluminenses de Niterói e Petrópolis acompanharam a
transmissão experimental, que teve ainda música clássica - incluindo a ópera O
Guarani, de Carlos Gomes - durante toda a abertura da exposição.
À frente da iniciativa estava o
cientista e educador, Edgar Roquette Pinto, considerado o pai da radiodifusão
brasileira. “Segundo o depoimento do próprio Roquette, praticamente ninguém
ouviu nada da transmissão, porque o barulho da exposição era muito grande”,
conta o historiador, Milton Teixeira. “Os alto-falantes eram relativamente
fracos, mas mesmo assim causou uma certa sensação a transmissão do discurso do
presidente Epitácio Pessoa e das primeiras músicas”, diz.
A transmissão ocorreu no momento em que
as autoridades da época investiram em obras e recursos financeiros para a
exposição comemorativa ao centenário da independência, montada no centro do Rio
antes ocupada pelo Morro do Castelo. No mesmo período, a insatisfação dos
militares e da nascente classe média com as oligarquias que dominavam a chamada
República Velha resultou na revolta dos tenentes que serviam no Forte de
Copacabana, no Rio de Janeiro, em 5 de julho. Meses antes, em 25 de março, era
fundado o Partido Comunista Brasileiro, em Niterói. Em São Paulo, um evento
realizado no mês de fevereiro influenciaria de forma definitiva o contexto
cultural do país: a Semana de Arte Moderna.
De acordo com Milton Teixeira, a elite
de cafeicultores que comandava o país soube tirar proveito político do
centenário. “Era uma democracia só de fachada e direitos sociais eram coisa que
ninguém imaginava ainda existir. O país estava numa crise danada, mas precisava
afirmar a nacionalidade”, conta.
Especialista na história da cidade do
Rio, ele lembra que para fazer a exposição foi destruído naquele mesmo ano um
marco do passado carioca, o Morro do Castelo, primeiro núcleo urbano. “Ao mesmo
tempo era criado nesse ano o Museu Histórico Nacional (MHN), primeira
instituição dedicada à preservação do patrimônio histórico do país e cuja
direção foi entregue ao historiador Gustavo Barroso.”
Alguns dos pavilhões de países, estados
e instituições erguidos na esplanada do Castelo eram de construção sólida, mas
outros, de madeira e gesso, foram feitos para durar apenas o tempo da exposição.
Apenas três sobrevivem até os dias de hoje: o da França (atual sede da Academia
Brasileira de Letras - ABL), o do Distrito Federal (atual Museu da Imagem do
Som) e o da Estatística, ocupado pelo Centro Cultural do Ministério da Saúde.
“O Pavilhão da Inglaterra foi demolido nos anos 70, depois de abrigar por
décadas o Museu da Caça e Pesca, o mesmo acontecendo com o que sediou por
décadas o Ministério da Agricultura”, conta Teixeira.
Apesar da transmissão durante a
celebração do centenário da Independência, o início efetivo e regular das
transmissões do rádio ocorreu somente no ano seguinte, mais uma vez graças ao
esforço de Roquette Pinto. Ele tentou em vão convencer o governo a comprar os
equipamentos da Westinghouse, que permitiram a transmissão experimental. A
aquisição foi feita pela Academia Brasileira de Ciências, e assim entrou no ar,
em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
A emissora pioneira é a atual Rádio
MEC, que foi doada pelo próprio Roquette Pinto ao Ministério da Educação em
1936. Nesse ano, também foi fundada, a princípio como emissora privada, a Rádio
Nacional, que seria incorporada ao patrimônio da União na década de
40.
Para Sonia Virginia Moreira, professora
de comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autora de
livros sobre a história do rádio, a década de 20 foi o chamado período
experimental do veículo. “Era experimental em termos de programação, sobre o
que se podia fazer no rádio, mas muito interessante em termos de organização do
meio. Como não havia nenhuma história, nenhuma memória do meio, o que se fez
num primeiro momento foi organizar as pessoas ou as pessoas se organizarem”,
destaca.
“O resultado foi a constituição de
grupos e associações que se reuniam em torno do rádio”, acrescentou. Esses
grupos e associações eram formados por pessoas que emprestavam discos para as
emissoras. “As rádios ficavam poucas horas no ar, porque os transmissores não
tinham capacidade de transmitir durante muito tempo”, conta a professora.
Nessa fase, o rádio não era nem público
e nem comercial, mas sim um meio comunitário. “As emissoras se organizavam para
suas transmissões experimentais em torno dos chamados rádio-clubes”, ressalta
Sonia Virginia. “Por isto, até hoje muitas emissoras criadas nessa época, em
todo o país, têm a denominação de Rádio Clube, porque se constituíam, na
verdade, em clubes de ouvintes,”explica.
A era do rádio comercial surge a partir
de 1932, quando o presidente Getúlio Vargas, através do Decreto 21.111,
autorizou as emissoras a ter até 10% de sua programação sob a forma de
publicidade. “Até então, o rádio era sustentado apenas por contribuições de
seus próprios ouvintes, que eram os mesmos que ajudavam a fazer a programação.”
Com a permissão da publicidade, se
plantou a raiz do modelo de rádio que a partir da década de 40 se consolidou no
país, o do veículo comercial, conforme a professora. “Naquele momento, marcado
pela Segunda Guerra Mundial, os americanos passaram a influenciar não só a
programação como o próprio modelo de rádio feito no Brasil, eminentemente
comercial, a exemplo do que se fazia nos Estados Unidos”, diz a coautora, junto
com Luiz Carlos Saroldi, do livro Rádio Nacional: o Brasil em Sintonia e
organizadora da História do Radiojornalismo no Brasil.
Passados 90 anos, a internet permite, de certa
forma, um retorno às origens do rádio. “Montar uma web rádio
hoje é muito fácil, com a vantagem de que você não precisa se organizar em
clubes ou associações. Cada um pode ter sua própria rádio”, avalia a professora.
Agência Brasil
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