As contradições de Açailândia: No começo do ano, de que lado você está?

Tem dois shoppings em Açailândia. Um, ainda em construção, hospedará quase cem lojas, para todos os gostos, para o consumo de quem pode. O outro existe há tempo e está do lado oposto da cadeia do consumo, onde se acumula o que não serve mais. É o lixão, chamado ironicamente de “Shopping” pelas pessoas que nele estão sendo consumidas: os catadores.

A fumaça se enxerga de longe e esconde atrás de si as montanhas de sacolas, restos de comida, lixo hospitalar, roupas velhas e outros bagaços em putrefação que já não se reconhecem mais. A nuvem tóxica de fumaça recai diretamente nos pulmões de quem trabalha ou vive lá, juntamente com o fedor podre da decomposição.

“Ainda bem que ontem encontramos, jogado fora, um pacote inteiro de perfume vencido” – brincam os catadores, que tomam banho com a água da chuva recolhida numa caixa e moram em barracos cheios de moscas.

A ironia dos catadores é como se fosse outro perfume, que disfarça a amargura daquela vida. Chamam o lixão de “Shopping” ou de “Paraguay”, as centenas de urubus são “as nossas galinhas pretas” e as nuvens de moscas em volta da cabeça, que entram na boca ao falar, tomar água ou sorrir, “enchem o bucho quando estamos em falta de carne”!

É uma situação surreal: a poucas centenas de metros está uma das cidades mais ricas do Maranhão. Dá para ver as casas e escutar ainda alguns fogos atrasados da virada de ano. 

Talvez no próximo Natal haverá até um presepe, no shopping do consumo de Açailândia. Mas temos certeza de que o menino Jesus estará nascendo no “Paraguay”.

Lá, os reis magos andam com carrinhos de pneus murchos, mal amarrados com arame reciclado. Buscam presentes nas montanhas de coisas que nós descartamos. De chinelo, sem luvas, trabalham geralmente de segunda a sexta. 

Vários deles acabam dormindo lá, e a noite a fumaça permanece mais densa dentro dos barracos. O álcool e o fumo enrolado nas palhas são o antídoto à humilhação.

Um estranho companheirismo faz com que todos saibam de todos. Para além das brigas e desentendimentos, existe uma solidariedade recíproca: ao chegarmos de repente, enquanto um grupinho estava assando meio peixe numa grelha, exclamaram: “na hora certa: está quase pronto!”.

Não dá para festejar sem essas pessoas. Não dá para considerarmos “rica” uma Açailândia que esconde debaixo do tapete essa sub-humanidade, ou tolera a poluição que mata para garantir o lucro e o avanço da cidade.


O que podemos fazer de imediato?
- Afastar o lixo dos barracos dos catadores, assim que as moscas não os invadam e a fumaça fique mais longe
- Fornecer aos catadores o mínimo de equipamentos de proteção: luvas, botas, bem como melhorias a seus barracos
- Organizar aos poucos um sistema de coleta diferenciada do lixo que permita aos catadores de recolher garrafas PET, latinhas, ferro velho, cobre diretamente nas casas das pessoas ou em depósitos separados do lixão;
- Visitar o lixão de vez em quando, pois nós também precisamos de antídotos à doença do consumo e da felicidade excludente.

Pe. Dário Bossi
Missionário Comboniano

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