Lei aprovada no governo Lula muda destino do lixo no país até 2014. Retratados em filmes, catadores buscam meios de valorização profissional.
O fim dos lixões, previsto para ocorrer até 2014, preocupa parte dos cerca de 1 milhão de brasileiros que vivem da coleta de materiais recicláveis. A lei aprovada em 2010 determina que eles sejam incluídos em um novo modelo de coleta do lixo. “Eles temem não conseguir participar desse processo”, diz Jaira Puppin, coordenadora de comitê interministerial de Inclusão Social dos Catadores.O número de lixões no país é desconhecido, mas o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirma que mais de 60% das cidades não tratam o lixo adequadamente. A reciclagem também é limitada. “Apenas 900 municípios de 5.565 possuem algum tipo de coleta seletiva”, afirma Sérgio Gonçalves, diretor de Ambiente Urbano do MMA.
Recentemente, o cotidiano dos catadores mobilizou artistas e cineastas. Em 2011, os catadores foram retratados no documentário 'Lixo extraordinário', que concorre ao Oscar com a apresentação da realidade do Aterro de Gramacho. O mesmo lixão foi cenário de ‘Estamira’ (2004), de Marcos Prado, e voltará às telas com ‘As crianças do lixão’, de Robert Ziehe.
Em Gramacho, os mais de 1,3 mil catadores garimpam o material reciclável em meio ao lixo despejado por cerca de 900 caminhões -- 9 mil toneladas diárias. “Eu trabalhava em um depósito aqui perto, quando minhas colegas me contaram que havia um jeito de ganhar dinheiro mais fácil, sem burocracia. Assim eu vim parar aqui", conta a catadora Débora da Cruz Amaral, de 26 anos. Ela afirma que conseguiu organizar sua vida com o dinheiro pago pelo lixo recolhido. “Comprei uma moto, um terreno e os móveis da minha casa”, afirma.
Sobre o fim do aterro, Débora diz que está determinada a procurar outras oportunidades. “Às vezes nem acredito que vim parar aqui. Não quero mais ficar aqui, já estou colocando currículos em empresas da região, vamos torcer”, conta a jovem.
A falta de perspectivas é compartilhada pelos colegas. “Ainda não sei o que vou fazer", diz Isac Alves Rodrigues, 64 anos, que trabalha há mais de 20 em Gramacho. "Talvez eu vá para o Lixão de Bangu. Mas Seropédica (onde está sendo preparado um novo aterro sanitário) não. Lá é muito distante”, reclama o catador.
Hoje, o material recolhido é revendido para os 42 depósitos ao redor. Para o coordenador do aterro, Lucio Viana, as cooperativas de catadores devem substituir o atual sistema. “As cooperativas precisam se legalizar, ter a posse dos documentos exigidos, constituindo um fundo de apoio e capacitação aos catadores", diz ele. O espaço deve ser desativado antes do prazo dado pelo governo federal. Em março, uma reunião entre governo e catadores deve definir a data final da desativação total.
A expectativa não é verificada nos arredores de Brasília, onde o dilema dos catadores já dura cinco décadas. A cerca de 10 quilômetros do plano piloto, uma verdadeira cidade se formou a partir do depósito de lixo. Ronei Alves de Lima, integrante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), avalia que a capital brasileira tenha quatro mil catadores e produza 2,4 mil toneladas de lixo por dia. O principal destino do lixo é o depósito irregular na Cidade Estrutural.
Na quarta-feira (23), deputados distritais visitaram o local e constataram as irregularidades. “O direito à vida é ignorado ali e isso coloca em risco o cumprimento dos direitos humanos. É preciso agir, e rapidamente”, disse a deputada distrital Celina Leão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa. A situação no "Lixão da Estrutural" é a mesma desde 1960 e os catadores temem que eventuais mudanças não sejam bem conduzidas. “Para mudar, é de fundamental importância que o governo implante a coleta seletiva”, diz Ronei.
Segundo ele, há mais de 20 cooperativas em atividade no Distrito Federal. Ronei garante que o trabalho organizado pode render mais para os cooperados. “No lixão, recolhe mais, só que mais contaminado e com menos valor”, aponta. O cooperativismo também é apontado como saída por catadores de Serra, no Espírito Santo. A presidente da Recuperlixo, Maria do Carmo Cantilio, explica que a cooperativa abriga mais de 30 pessoas, com apoio de caminhões e galpões próprios. Após 12 anos de cooperativa, o contraste com o trabalho que antes era realizado a céu aberto, nos lixões, é grande. “Ali trabalha no meio de urubus. Muda muito”, aponta. Atualmente, o grupo recicla até 20 toneladas por mês. “É muito pouco ainda. Se tivesse coletiva, conseguiria 50 toneladas”, diz Maria.
Entretanto, a presidente da cooperativa alerta para o que considera riscos. “Concordo que acabem com os lixões, mas que não coloquem os trabalhadores escravizados”, explica. “Aqui, não somos empregados e não temos patrão. Eles (governo e prefeituras) têm que avaliar: dar o anzol e deixar eles pescarem”, afirma Maria. Segundo ela, um catador consegue até cerca de R$ 1 mil, de acordo com sua capacidade de trabalho e locais onde consegue retirar o material. Na cooperativa, o rendimento médio é de R$ 400 mil.
Minas Gerais tem 385 lixões e 227 aterros controlados, segundo dados da Gerência de Saneamento Ambiental da Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam). Para Maria Madalena Rodrigues Duarte Lima, 50 anos, o trabalho em um lixão começou quando ele tinha sete anos. Foi no lixão batizado de “Céu Aberto” em Itaúna, no Centro-Oeste do estado, que ela aprendeu a profissão. “A gente via que a catação não era uma coisa legal, mas não tão indigna e vergonhosa, era um trabalho”, conta.
Aos 38 anos, e depois de passar por cinco lixões, criou uma cooperativa de reciclagem responsável pela mudança em sua vida. “Hoje eu tenho orgulho por ter passado pelo lixão, porque através deste trabalho eu sou uma pessoa que resgatei minha cidadania, eu conquistei as coisas, meu sonho era comprar a casa própria, graças a Deus, a gente conseguiu com o dinheiro que vinha disso [lixo]”, explica. Ela conta que assistiu ao filme “Lixo extraordinário” e que se identificou com uma menina que usava várias roupas sobrepostas. “A gente tinha esse cuidado de vestir duas, três calças, duas, três blusas, vestir uma camisa de manga comprida, por uma coisa na cabeça para proteger”, lembra.
Desafio para governo federal
A coordenadora da secretaria executiva do Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Jaira Maria Alba Puppin, diz que a Lei de Resíduos Sólidos é o marco nas políticas voltadas para esses trabalhadores, mas admite que os que vivem na informalidade temem os efeitos das mudanças previstas para ocorrer até 2014. “Eles temem não conseguir participar desse processo, não serem contratados pelas prefeituras”, diz a coordenadora do comitê.
Para defender a inclusão dos catadores no processo de coleta da reciclagem do lixo, ela ressalta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que o Brasil deixa de economizar R$ 8 bilhões com material que é depositado em lixões e aterros. Segundo ela, a avaliação do governo é de que, em 2007, o país tivesse entre 800 mil e 1 milhão de catadores. “Acho uma estimativa tímida”, avalia Jaira. Segundo ela, são cerca de mil os grupos que se relacionam com a administração pública.
O diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Sérgio Gonçalves, afirma que “mais de 60% dos municípios brasileiros dispõem de forma inadequada” o lixo. De acordo com ele, apenas 900 municípios dos 5.565 existentes no Brasil possuem algum tipo de coleta seletiva, seja organizado por empresas ou cooperativas. Ele ressalta que a estimativa do governo é de que o total de catadores organizados em cooperativas seja de apenas 35 mil catadores. “O potencial de organização é muito grande”, explica.
Ele reconhece que os catadores estão temerosos quanto o futuro fim dos lixões, mas aponta que medidas legais procuram fazer uma espécie de reserva de mercado. “A política (Política Nacional dos Resíduos Sólidos) vem no sentido inverso: o lixo existe, o resíduo existe e a lei diz: utilize o catador. Você potencializa e coloca o catador como protagonista”, avalia. O diretor diz que a Lei de Saneamento, anterior à Lei de Resíduos Sólidos, já permitia que prefeituras contratem cooperativas de catadores sem licitação. “Está na mão dela fazer isso. (...) Os catadores vão ter um mercado muito mais amplo do que têm hoje e de maneira muito organizada”, diz.
Nos últimos anos, a inclusão dos catadores e a eliminação dos lixões avançaram no estado de São Paulo. De acordo com o MNCR, Diadema, Biritiba Mirim, Arujá, Assis, Araraquara, Orlândia, Ourinhos e São José do Rio Preto são considerados modelos de coleta com a participação dos catadores. Na capital paulista, não há lixões e o lixo é destinado a aterros sanitários. Entretanto, o MNCR diz que apenas 1% do lixo paulistano é reciclado e mais de 20 mil catadores trabalham nas ruas da cidade sem apoio.
Do G1, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
Hoje, o material recolhido é revendido para os 42 depósitos ao redor. Para o coordenador do aterro, Lucio Viana, as cooperativas de catadores devem substituir o atual sistema. “As cooperativas precisam se legalizar, ter a posse dos documentos exigidos, constituindo um fundo de apoio e capacitação aos catadores", diz ele. O espaço deve ser desativado antes do prazo dado pelo governo federal. Em março, uma reunião entre governo e catadores deve definir a data final da desativação total.
A expectativa não é verificada nos arredores de Brasília, onde o dilema dos catadores já dura cinco décadas. A cerca de 10 quilômetros do plano piloto, uma verdadeira cidade se formou a partir do depósito de lixo. Ronei Alves de Lima, integrante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), avalia que a capital brasileira tenha quatro mil catadores e produza 2,4 mil toneladas de lixo por dia. O principal destino do lixo é o depósito irregular na Cidade Estrutural.
Na quarta-feira (23), deputados distritais visitaram o local e constataram as irregularidades. “O direito à vida é ignorado ali e isso coloca em risco o cumprimento dos direitos humanos. É preciso agir, e rapidamente”, disse a deputada distrital Celina Leão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa. A situação no "Lixão da Estrutural" é a mesma desde 1960 e os catadores temem que eventuais mudanças não sejam bem conduzidas. “Para mudar, é de fundamental importância que o governo implante a coleta seletiva”, diz Ronei.
Segundo ele, há mais de 20 cooperativas em atividade no Distrito Federal. Ronei garante que o trabalho organizado pode render mais para os cooperados. “No lixão, recolhe mais, só que mais contaminado e com menos valor”, aponta. O cooperativismo também é apontado como saída por catadores de Serra, no Espírito Santo. A presidente da Recuperlixo, Maria do Carmo Cantilio, explica que a cooperativa abriga mais de 30 pessoas, com apoio de caminhões e galpões próprios. Após 12 anos de cooperativa, o contraste com o trabalho que antes era realizado a céu aberto, nos lixões, é grande. “Ali trabalha no meio de urubus. Muda muito”, aponta. Atualmente, o grupo recicla até 20 toneladas por mês. “É muito pouco ainda. Se tivesse coletiva, conseguiria 50 toneladas”, diz Maria.
Entretanto, a presidente da cooperativa alerta para o que considera riscos. “Concordo que acabem com os lixões, mas que não coloquem os trabalhadores escravizados”, explica. “Aqui, não somos empregados e não temos patrão. Eles (governo e prefeituras) têm que avaliar: dar o anzol e deixar eles pescarem”, afirma Maria. Segundo ela, um catador consegue até cerca de R$ 1 mil, de acordo com sua capacidade de trabalho e locais onde consegue retirar o material. Na cooperativa, o rendimento médio é de R$ 400 mil.
Madalena conta que se emocionou com o
documentário 'Lixo Extraordinário' (Foto: Flávia
Cristini/G1)
Orgulho e mudançadocumentário 'Lixo Extraordinário' (Foto: Flávia
Cristini/G1)
Minas Gerais tem 385 lixões e 227 aterros controlados, segundo dados da Gerência de Saneamento Ambiental da Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam). Para Maria Madalena Rodrigues Duarte Lima, 50 anos, o trabalho em um lixão começou quando ele tinha sete anos. Foi no lixão batizado de “Céu Aberto” em Itaúna, no Centro-Oeste do estado, que ela aprendeu a profissão. “A gente via que a catação não era uma coisa legal, mas não tão indigna e vergonhosa, era um trabalho”, conta.
Aos 38 anos, e depois de passar por cinco lixões, criou uma cooperativa de reciclagem responsável pela mudança em sua vida. “Hoje eu tenho orgulho por ter passado pelo lixão, porque através deste trabalho eu sou uma pessoa que resgatei minha cidadania, eu conquistei as coisas, meu sonho era comprar a casa própria, graças a Deus, a gente conseguiu com o dinheiro que vinha disso [lixo]”, explica. Ela conta que assistiu ao filme “Lixo extraordinário” e que se identificou com uma menina que usava várias roupas sobrepostas. “A gente tinha esse cuidado de vestir duas, três calças, duas, três blusas, vestir uma camisa de manga comprida, por uma coisa na cabeça para proteger”, lembra.
Desafio para governo federal
A coordenadora da secretaria executiva do Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Jaira Maria Alba Puppin, diz que a Lei de Resíduos Sólidos é o marco nas políticas voltadas para esses trabalhadores, mas admite que os que vivem na informalidade temem os efeitos das mudanças previstas para ocorrer até 2014. “Eles temem não conseguir participar desse processo, não serem contratados pelas prefeituras”, diz a coordenadora do comitê.
Para defender a inclusão dos catadores no processo de coleta da reciclagem do lixo, ela ressalta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que o Brasil deixa de economizar R$ 8 bilhões com material que é depositado em lixões e aterros. Segundo ela, a avaliação do governo é de que, em 2007, o país tivesse entre 800 mil e 1 milhão de catadores. “Acho uma estimativa tímida”, avalia Jaira. Segundo ela, são cerca de mil os grupos que se relacionam com a administração pública.
O diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Sérgio Gonçalves, afirma que “mais de 60% dos municípios brasileiros dispõem de forma inadequada” o lixo. De acordo com ele, apenas 900 municípios dos 5.565 existentes no Brasil possuem algum tipo de coleta seletiva, seja organizado por empresas ou cooperativas. Ele ressalta que a estimativa do governo é de que o total de catadores organizados em cooperativas seja de apenas 35 mil catadores. “O potencial de organização é muito grande”, explica.
Ele reconhece que os catadores estão temerosos quanto o futuro fim dos lixões, mas aponta que medidas legais procuram fazer uma espécie de reserva de mercado. “A política (Política Nacional dos Resíduos Sólidos) vem no sentido inverso: o lixo existe, o resíduo existe e a lei diz: utilize o catador. Você potencializa e coloca o catador como protagonista”, avalia. O diretor diz que a Lei de Saneamento, anterior à Lei de Resíduos Sólidos, já permitia que prefeituras contratem cooperativas de catadores sem licitação. “Está na mão dela fazer isso. (...) Os catadores vão ter um mercado muito mais amplo do que têm hoje e de maneira muito organizada”, diz.
Nos últimos anos, a inclusão dos catadores e a eliminação dos lixões avançaram no estado de São Paulo. De acordo com o MNCR, Diadema, Biritiba Mirim, Arujá, Assis, Araraquara, Orlândia, Ourinhos e São José do Rio Preto são considerados modelos de coleta com a participação dos catadores. Na capital paulista, não há lixões e o lixo é destinado a aterros sanitários. Entretanto, o MNCR diz que apenas 1% do lixo paulistano é reciclado e mais de 20 mil catadores trabalham nas ruas da cidade sem apoio.
Do G1, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
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