Empresário do ramo artístico, que foi preso nesta semana, confessou que funcionários públicos desviavam dinheiro das apresentações.
Na
última terça-feira, o Ministério Público fez uma mega operação em 13 estados
para combater a corrupção no país.
Lavagem de dinheiro,
superfaturamento, venda ilegal de documentos. Todo tipo de golpe apareceu
durante as investigações.
Num deles, os corruptos usavam shows
de nomes da MPB para botar a mão em milhões de reais do dinheiro público. Veja
agora, na reportagem de Jonas Campos e Mauricio Ferraz.
São acusações graves: venda de
carteiras de habilitação para dirigir ônibus e caminhões. Venda de certificado
para transportar cargas perigosas sem fazer curso nenhum. Prefeituras suspeitas
de superfaturar shows de nomes conhecidos da música brasileira, como Fabio
Júnior Zezé Di Camargo e Luciano e banda Cheiro de Amor.
Esses e outros casos vieram a
público todos juntos, terça-feira passada, Dia Nacional de Combate à Corrupção.
Ao todo, o desvio de dinheiro é estimado em R$ 1 bilhão.
Coordenada por promotores que
integram o grupo de combate a organizações criminosas, uma mega operação foi
desencadeada em 13 estados.
O Fantástico mostra, com
exclusividade, detalhes das investigações dessa mega operação
Este homem é dono de uma
auto-escola, na cidade de Anastácio, a 140 quilômetros de Campo Grande, Mato
Grosso do Sul. Sem saber que estavas sendo gravado, Elcivar de Souza diz que
não é preciso fazer aulas nem provas para tirar carteira de motorista, basta
pagar. O dono da auto-escola diz mais, que fornece até carteira de habilitação
categoria C, para dirigir caminhões. E também categoria D, para dirigir ônibus.
“Vai sair na faixa de 3.200 (reais) a letra C ou D”, diz. Ele promete uma aula
rápida para pessoa que compra a habilitação. Sem pagar nada. “Só pra fazer mão
única, mão dupla. Que tem diferença uma da outra”.
E é assim totalmente despreparada
que a pessoa pode sair por aí dirigindo caminhão ou ônibus.
Fantástico: O senhor garante?
Dono da auto-escola: Sem problema. Garantimos, sim.
Dono da auto-escola: Sem problema. Garantimos, sim.
Durante seis meses, o Ministério
Público investigou essa fraude. Além de Mato Grosso do Sul, há motoristas de
caminhões e de ônibus de Mato Grosso e São Paulo que estão dirigindo com
habilitação comprada.
“Trafegam normalmente pelas vias e
rodovias, colocando a vida deles e de outras pessoas em risco”, destaca Marcos
Alex Vera de Oliveira, promotor de Justiça.
Antes de dirigir um caminhão tanque,
o motorista precisa fazer um curso que ensina como agir em caso de acidentes.
Mas segundo as investigações, a quadrilha criou um sistema fraudulento de venda
de certificados. E assim, centenas de caminhoneiros circulam pelas estradas do
Centro-Oeste sem ter o preparo necessário para transportar cargas perigosas.
A lei determina que o motorista
desse tipo de caminhão faça o curso de "movimentação de produtos
perigosos", conhecido como Mopp.
Mas na auto-escola de Anastácio, pra
conseguir o Mopp , não é preciso frequentar às aulas.
“Mopp sai 400 (reais)”, diz.
“Mopp sai 400 (reais)”, diz.
Localizamos um caminhoneiro que
comprou o certificado.
Fantástico: É só pagar e esperar?
Caminhoneiro: É, pagar e esperar. Na época, eu paguei R$ 380.
Caminhoneiro: É, pagar e esperar. Na época, eu paguei R$ 380.
“O fato é que isso é extremamente
grave, porque isso tipo de carga coloca em risco a segurança que trafegam pelas
rodovias”, diz Airton Motti, Polícia Rodoviária Federal / MS.
Seis acusados de participar do
esquema foram presos. Ao Ministério Público, o dono da autoescola, Elcivar de
Souza, disse que nunca vendeu habilitações.
A promotoria também investiga o
envolvimento de funcionários do Detran no esquema. Escutas telefônicas
autorizadas pela Justiça indicam o pagamento de propina.
- “Precisa pagar R$ 1,2 mil para o
cara lá do Detran, né?
- Sei
- Sei
“Estamos aguardando o promotor nos
mandar os nomes desses possíveis indiciados pra que a gente possa proceder à
suspensão desses servidores e depois abertura dos processos disciplinares
internos”, diz Carlos Henrique Santos Pereira, diretor-geral do Detran MS.
No Rio Grande do Norte, o repórter
Mauricio Ferraz mostra que prefeituras desviavam dinheiro público contratando
shows musicais.
Imagens na internet mostram como foi
animado o carnaval do ano passado, em Macau, litoral do Rio Grande do Norte.
Foram 57 shows, tudo pago pela prefeitura. Um gasto de R$ 2,7 milhões.
Segundo o Ministério Público, quase
todos os contratos foram superfaturados.
Os promotores são categóricos na
investigação. Dizem que o esquema fraudulento foi planejado bem na prefeitura
de Macau.
O responsável pelo Carnaval do
município tem uma justificativa para o evento ser mais caro aqui do que em
outras cidades. "No carnaval de Macau, nós temos um percurso de 6
quilômetros. Então, desgasta. É um desgaste muito forte”, afirma Chico Paraíba,
presidente Fund. De Cultura de Macau.
O Ministério Público fez uma
investigação semelhante na cidade vizinha, Guamaré, onde os gastos com shows
passaram de R$ 6,5 milhões só no ano passado.
O empresário Rogério Cabral Júnior
diz ter intermediado a contratação de seis bandas para apresentações no
carnaval de 2012 no município.
O valor: R$ 1,1 milhão. Ao
Ministério Público, ele confessou o superfaturamento. “Eu até errei, sei disso,
por ter sido conivente com a situação”.
O promotor quer saber detalhes.
Pergunta sobre um contrato de R$ 144 mil.
Promotor: Aqui está constando 144 mil.
Rogério: Isso.
Promotor: Então? O valor real do show?
Rogério: Aproximadamente 70 mil reais.
Rogério: Isso.
Promotor: Então? O valor real do show?
Rogério: Aproximadamente 70 mil reais.
Ou seja, só nesse caso, a diferença
é de 100%; R$ 74 mil de superfaturamento.
E segundo ele, os funcionários da
prefeitura sabiam de tudo. “Todo mundo aí que participou sabia o valor de
compra da banda e sabia o valor que foi emitida a nota fiscal”.
E o dinheiro? Ficava pra quem? “Essa
diferença não veio para mim, em meu benefício. Segundo eles, era pra fazer
pagamentos de extras que não tinham como ser faturados”.
Segundo o Ministério Público, na
verdade, a diferença ia para o bolso de servidores do município.
“Recursos públicos que deveriam ser
empregados na educação, na saúde, para interesses particulares”, analisa o
procurador-geral de Justiça/RN Manoel Onofre Neto.
Também estão sendo investigados
contratos com artistas famosos que se apresentaram na festa de 50 anos de
Guamaré, em maio passado.
Para o show da banda Cheiro de Amor,
a prefeitura pagou R$ 215 mil a uma empresa de eventos que intermediou a
contratação.
A assessoria da banda diz que, para
cobrir o cachê dos artistas e despesas como hospedagem e alimentação, cobrou e
recebeu cerca de R$ 100 mil.
A assessoria disse ainda que desconhece
o valor pago pela prefeitura de R$ 215 mil e que a verdade prevalecerá.
Segundo as investigações, R$ 100 mil
foram para pagar o cachê da banda e o resto do dinheiro foi dividido entre
servidores de Guamaré.
O cantor Fábio Júnior também se
apresentou no aniversário da cidade. Nesse caso, a prefeitura negociou direto
com a empresa que representa o artista.
O valor de R$ 290 mil foi dividido
em dois cheques. Parte desse dinheiro, diz o Ministério Público, foi parar no
bolso de um guarda municipal.
Segundo a promotoria, também há
"provas contundentes" de superfaturamento na contratação de um show
da dupla Zezé Di Camargo e Luciano. Na festa de aniversário de Guamaré, o valor
chegou a R$ 450 mil.
Quatro meses antes, na cidade de
Encanto, também no Rio Grande do Norte, pagou R$ 290 mil, por duas atrações da
dupla famosa e de banda regional de forró.
“O superfaturamento na investigação
ficou muito claro. Não tem nenhuma justificativa pra valores, pra diferenças
tão desproporcionais”, afirma a promotora de Justiça Patrícia Antunes Martins.
A empresa que representa o cantor
Fábio Júnior informou que não compactua com superfaturamentos ou atos ilegais
de qualquer natureza.
Disse ainda que o valor do show
depende de inúmeras variáveis, como local, data do evento e se o contratante
vai bancar despesas como passagens aéreas e montagem de palco.
Também em nota, o advogado de Zezé
Di Camargo e Luciano disse que os artistas estão tranquilos quanto aos
contratos da dupla.
Disse ainda que, na apresentação em
Guamaré, o contrato de R$ 450 mil incluiu, além do cachê da dupla, todas as
despesas com estrutura e logística.
Segundo o advogado, houve lisura e
transparência nos contratos e a dupla jamais participou de qualquer situação
ilegal ou imoral.
“Os artistas não são objeto de
investigação, a princípio, do Ministério Público e nós esperamos ouvi-los no
curso do processo pra que se esclareça o recebimento ou não desses valores”,
completa a promotora de Justiça Patrícia Antunes Martins.
Semana passada, 13 pessoas foram
presas em Guamaré, inclusive Emílson Borba Cunha, que era prefeito na época da
assinatura dos contratos.
Em nota, o advogado do político
informou que irá provar a inocência dos investigados e a inexistência de
superfaturamento nos shows.
Nos 13 estados onde aconteceu a
operação contra a farra com dinheiro público, 101 pessoas foram presas.
“O que é de estarrecer é justamente
essa sede, essa vontade de ir em cima de recursos, de verbas vindas da
sociedade, do povo, por pessoas inescrupulosas no ambiente do patrimônio
público”, diz Oswaldo Trigueiro, presidente do Conselho Nacional de
Procuradores Gerais.
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