Juntos, esses rincões de pobreza têm menos de 900
mil cidadãos cadastrados para votar. Na maioria dos casos, dois ou três
candidatos concorrem às prefeituras. Mas, com tamanha estimativa de gastos, a
projeção de despesa foi às alturas: R$ 110,84 por eleitor, dez vezes mais que a
previsão no Rio (R$ 10,64). O valor chama atenção, pois os municípios não
contam com programas de TV, normalmente o maior custo na campanha, e a maioria
têm eleitorado inferior a 8 mil pessoas.
Assim como Araioses, Governador Newton Bello e
Presidente Juscelino, também no Maranhão, integram a lista de cidades pobres
que podem ter campanhas ricas. Os três municípios já tiveram até papel de
destaque no comércio estadual, mas hoje são lugares carentes de tudo. A
impressão que se tem é que lá o tempo parou.
“É uma cidadezinha pequena e atrasada”, resume a
aposentada Joana Silva, ao descrever Araioses, sexto pior IDH do país.
Cidade vive de catar caranguejos
De acordo com o Censo 2010, em Araioses 32% da
população vivem mensalmente com uma renda per capita de até R$ 70, e quase
metade dos domicílios não contam com abastecimento de água. Sem bons
indicadores, o município orgulha-se da boa produção de caranguejos.
A apenas quatro horas de São Luís, Governador
Newton Bello parece estar mais distante do que os 298 quilômetros que as
separam. A cidade, com o 11º pior IDH do país, homenageia um ex-governador com
fama de progressista, embora o município tenha estagnado nos tempos de Raimundo
“Chapéu de Couro”, que dava nome à cidade até 1994. Ruas sem asfalto, casas de
taipa e teto de palha ajudam a dar um ar de zona rural de tempos antigos. Lá,
os candidatos a prefeito estimaram gastar R$ 3,6 milhões. Uma quantia considerável
se for levada em conta o universo de eleitores cadastrados: 7.837. Se todos
desembolsarem o que planejam, serão R$ 459,35 por eleitor.
“É muito
dinheiro!”, espantou-se José Rodrigues, de 71 anos. “Aqui é pobre, pobre mesmo.
Dinheiro é mais difícil do que outra coisa. Não tem emprego, não tem nada.”
Em Governador Newton Bello, quatro a cada dez
moradores acima dos 15 anos são analfabetos. E em bairros paupérrimos, como São
José, a situação não mudou em quatro anos, com ruas de terra e casas sem
esgoto.
Em Presidente Juscelino, o 28º pior IDH do Brasil,
emprego só na prefeitura. Sem isso, os juscelinenses penam em bairros
paupérrimos, onde a rede de água só cobre 41% dos domicílios. Ainda assim, os
candidatos à prefeitura estimaram despesas de até R$ 368,64 por eleitor. Por
lá, são 8,8 mil os cadastrados para votar, e as estimativas de arrecadação dos
aspirantes ao Executivo local somam R$ 3,25 milhões. Valor considerável numa
cidade em que o PIB de 2009 – a última medição oficial – foi de R$ 38,4
milhões.
Na cidade de Traipu, a 188 quilômetros de Maceió,
os três candidatos a prefeito prometem gastar juntos R$ 2,4 milhões, valor
considerável para uma cidade de 15 mil eleitores. Apesar de estar à beira do
rio São Francisco, a cidade foi arrasada pela seca, sem contar os casos de
corrupção. Em cinco anos, segundo a Polícia Federal, foram desviados R$ 15
milhões dos cofres da cidade. Em Traipu, sete a cada dez pessoas não sabem ler
e escrever. Quando as televisões não pegam por falta de sinal, os traipuenses
se apinham para assistir a um festival de decisões judiciais que fez a pequena
cidade perder três prefeitos em menos de um ano. Eleito em 2008, Marcos Santos
(PTB) foi afastado e preso cinco vezes por diferentes operações da PF.
“É loucura. Parece que vivemos em uma cidade
cenográfica da Globo. Nenhum autor de novela teve tanta imaginação para
escrever sobre uma cidade como Traipu”, diz um morador da 4ª cidade de pior IDH
no país, sem querer se identificar, devido ao clima na cidade.
Na cidade de Uruçuí, no sul Piauí, a previsão dos
quatro candidatos à prefeitura é gastar quase R$ 6 milhões em busca do voto de
15 mil eleitores. Na cidade, apenas 48,9% das ruas têm pavimentação e metade da
população acima de 10 anos vive com R$ 100 por mês. O prefeito de Uruçuí,
Valdir Soares da Costa (PT), planeja gastar R$ 1,5 milhão, o mesmo valor
previsto para a campanha de Firmino Filho (PSDB) à prefeitura de Teresina, onde
há propaganda de TV.
Candidato diz que campanha é cara
Os candidatos que declararam as maiores estimativas
de orçamento disseram que trata-se apenas de “uma previsão”. Nelma Pinho (PT)
apresentou teto de gastos de R$ 1 milhão, mas afirmou que, “independentemente
de Presidente Juscelino ser muito carente”, teve de fazer este planejamento
para ter alguma chance contra os concorrentes. Já Rildo Gomes (PRB), que
disputa em Governador Newton Bello e estabeleceu o limite de gastos em R$ 2
milhões, disse que a falta de estrutura da cidade colabora para a alta previsão
de despesas:
“Há muitos povoados de difícil acesso, e a campanha
só pode chegar a esses lugares com veículos que possuem tração nas quatro
rodas, cujo aluguel é bastante caro”.
Candidata à reeleição em Araioses, a
prefeita Luciana Felix (PSD), conhecida como Luciana Trinta, se recusou a falar
por telefone sobre sua previsão de gastos de R$ 1,2 milhão. (Juliana
Castro, Oswaldo Viviani, Odilon Rios e Efrém Ribeiro)
Verba de campanhas seria suficiente
para 40 creches e sistema de esgoto
Quarenta creches, 50 unidades do Programa Saúde da
Família (PSF) e sistema de rede e tratamento de esgoto para levar saneamento
básico a 41 mil brasileiros. Esse é um exemplo do pacote de obras que poderia
ser realizado com o orçamento de R$ 97,2 milhões apresentado pelas campanhas
eleitorais nos cem municípios mais pobres do país.
Segundo o embaixador do Instituto Trata Brasil,
Raul Pinho, o custo médio de implantação de um sistema completo de esgoto é de
R$ 1.200 por habitante. Isso significa que o investimento para um município de
cerca de 10 mil habitantes garantir a 100% de seus moradores acesso a
saneamento é de cerca de R$ 12 milhões. Em Governador Newton Bello (MA), cidade
com o 11º pior IDH do país, os quatro candidatos a prefeito apresentaram,
juntos, orçamentos de campanha de R$ 3,6 milhões, o suficiente para garantir a
25% dos seus quase 12 mil habitantes condições sanitárias mais adequadas.
“A quase totalidade desses pequenos municípios não
tem serviço de coleta de esgoto. O cenário brasileiro é horroroso. Somente
metade da população do país tem acesso hoje a esse serviço”, destaca Pinho.
Outra carência recorrente nesses pequenos
municípios é o acesso a creches, segundo um dos dirigentes da ONG Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Salomão Barros Ximenes.
“A oferta de vagas em creche é hoje uma das maiores
dificuldades. Nesses pequenos municípios, ela é baixíssima, quando não é
inexistente”, disse.
Em Uruçuí (PI), a ampliação de vagas de
creches é tema de destaque na eleição. Juntos, os candidatos a prefeito estimam
para suas campanhas gastos de até R$ 5,9 milhões, o suficiente para construir
oito creches. Segundo o Fundo Nacional de Educação, o investimento médio de
construção de uma unidade pequena, em torno de 500 metros quadrados, é de R$
670 mil. Na saúde, com 13% do dinheiro previsto para as campanhas na cidade seria
possível dar cobertura total aos 20 mil habitantes no PSF. (Sílvia
Amorim, de O Globo)
Candidatos de Pres. Juscelino, Araioses
e Newton Bello prevêm gastar R$ 11 milhões
POR OSWALDO VIVIANI
POR OSWALDO VIVIANI
Os 15 candidatos que disputam as eleições nos
municípios maranhenses de Presidente Juscelino, Araioses e Newton Bello
declararam à Justiça Eleitoral uma previsão de gastos de R$ 11,15 milhões.
Em Presidente Juscelino, o total de gastos
previstos pelos seis candidatos é de R$ 3,25 milhões. A cidade tem Índice de
Exclusão Social (IES) de 72,55% – quase 8.300 dos 11.541 habitantes (Mapa da
Exclusão Social no Brasil, 2008, José Lemos).
A professora Nelma de Pinho (PT) foi a que
registrou maior previsão de gastos: R$ 1 milhão. Artur Carvalho, do PV (R$ 950
mil); Cláudio de Oliveira, do PPS (R$ 500 mil); Dácio Pereira, do PSL, atual
prefeito (R$ 400 mil); Afonso Teixeira, do PMN (R$ 200 mil); e José Magno
Teixeira, do PSDB (R$ 200 mil) completam a relação.
Em Araioses, cinco candidatos planejam gastar R$
4,3 milhões em suas campanhas. O Índice de Exclusão Social (IES) do município é
de 74,05% (mais de 31 mil dos 42.500 moradores).
A candidata Luciana Marão Felix, a “Luciana
Trinta”, do PSD, declarou ao TSE que prevê gastar R$ 1,2 milhão na campanha.
Ela é mulher do ex-deputado federal Remi Trinta, acusado de crime ambiental e
irregularidades na aplicação de verbas do SUS.
Luciana é seguida por Valéria Leal, do PR (R$ 1
milhão); Pedro Santos, do PMDB (R$ 900 mil); Espedito Coutinho, do PC do B (R$
700 mil); e Haroldo Cardozo, o “Haroldo do Zé Tude”, do PDT (R$ 500 mil).
Já os quatro candidatos de Governador Newton Bello
registraram previsão de gastos de R$ 3,6 milhões. O município abriga cerca de
7.750 excluídos sociais (65,43% dos quase 12 mil habitantes).
Quem previu mais gastos de campanha em Newton Bello
foi o empresário Rildo Gomes, do PRB (R$ 2 milhões). Vêm a seguir Sidney
Vieira, do PP (R$ 800 mil); Leula Brandão, do PRTB, atual prefeita (R$ 500
mil); e Roberto Araújo, do DEM (R$ 300 mil).
‘Não há explicação para o uso de tantos
recursos’, diz procuradora eleitoral
Sandra Cureau diz que municípios mais pobres têm histórico de malversação de verbas públicas
Sandra Cureau diz que municípios mais pobres têm histórico de malversação de verbas públicas
A procuradora Sandra Cureau afirmou que a
justificativa apresentada por alguns candidatos – a de que, por não terem tempo
de televisão, têm que se deslocar mais, e por isso gastam mais – não é
razoável. Ela lembra que a produção de programas de rádio e TV é um dos maiores
custos de uma campanha:
“O que mais eleva o custo das campanhas, a produção
dos programas de TV, eles não têm. O que terão de custos? E quem vai financiar?
Provavelmente, o dinheiro não vem do próprio candidato e será devolvido em
fraudes de licitações, desvios de verbas federais, a mesma história de sempre.
Não tem outra explicação para o uso de tantos recursos nas eleições de locais
tão pobres. É triste, porque, quando o eleitor vende seu voto, é porque não
acredita que um dos candidatos seja capaz de fazer o melhor por ele”.
Segundo Sandra, os locais mais pobres recebem
verbas federais e também estaduais, até para que possam sair da pobreza. A
procuradora enfatiza o histórico de muitos prefeitos destes locais, que tiveram
seus mandatos cassados por uso ilícito de verbas públicas:
“Boa parte dessas cidades têm históricos de
prefeitos envolvidos em malversação de dinheiro público”.
Professora de Direito Eleitoral da FGV e
ex-procuradora eleitoral do Rio, Silvana Batini diz que o valor elevado da
estimativa feita pelos candidatos em cidades tão pobres é um contrassenso e um
indicativo de que os financiadores podem ter interesses que não os mais
democráticos.
“Campanhas caras em municípios tão pobres são um
sinal muito eloquente de que a coisa vai mal. Quem doa faz um investimento. Temos
que pensar: quem vai bancar os custos destas campanhas e por qual razão? Amor à
democracia? Difícil pensar nisso. O financiamento de campanha está na raiz do
sistema de corrupção da administração pública e não apenas a corrupção
eleitoral. Quando o candidato vai pagar pelo investimento? Quando for eleito”,
avalia Batini.
Doação de pessoas jurídicas – Para a professora
da FGV, uma solução para amenizar o problema do financiamento seria acabar com
a possibilidade de doações de pessoas jurídicas, mantendo apenas doações de
pessoas físicas. Segundo ela, a Ordem dos Advogados do Brasil já entrou com uma
ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que a doação de pessoas jurídicas seja
declarada inconstitucional.
“É utópico pensar que a proibição virá
por lei, já que os políticos são os primeiros beneficiados com a medida. A ação
está parada, mas o Judiciário poderia dar esse passo. Não há justificativa para
a doação de pessoa jurídica.” (O Globo)
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