Candidatos de cidades pobres prevêm campanhas milionárias

O bairro de Malvinas, em Araioses (MA), não tem água encanada nem esgoto, posto de saúde ou escola. Lá, 90% das casas são de taipa e sem energia elétrica. Em cada uma dessas moradias vivem de 5 a 15 pessoas. Na cidade, os candidatos à prefeitura estimaram os gastos de campanha em até R$ 4,3 milhões para disputar os votos de 31 mil eleitores. Araioses é uma das cem cidades com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Nesses municípios, os aspirantes ao cargo de chefe dos Executivos locais planejam gastar R$ 97,2 milhões na disputa.
Juntos, esses rincões de pobreza têm menos de 900 mil cidadãos cadastrados para votar. Na maioria dos casos, dois ou três candidatos concorrem às prefeituras. Mas, com tamanha estimativa de gastos, a projeção de despesa foi às alturas: R$ 110,84 por eleitor, dez vezes mais que a previsão no Rio (R$ 10,64). O valor chama atenção, pois os municípios não contam com programas de TV, normalmente o maior custo na campanha, e a maioria têm eleitorado inferior a 8 mil pessoas.
Assim como Araioses, Governador Newton Bello e Presidente Juscelino, também no Maranhão, integram a lista de cidades pobres que podem ter campanhas ricas. Os três municípios já tiveram até papel de destaque no comércio estadual, mas hoje são lugares carentes de tudo. A impressão que se tem é que lá o tempo parou.
“É uma cidadezinha pequena e atrasada”, resume a aposentada Joana Silva, ao descrever Araioses, sexto pior IDH do país.
Cidade vive de catar caranguejos
De acordo com o Censo 2010, em Araioses 32% da população vivem mensalmente com uma renda per capita de até R$ 70, e quase metade dos domicílios não contam com abastecimento de água. Sem bons indicadores, o município orgulha-se da boa produção de caranguejos.
A apenas quatro horas de São Luís, Governador Newton Bello parece estar mais distante do que os 298 quilômetros que as separam. A cidade, com o 11º pior IDH do país, homenageia um ex-governador com fama de progressista, embora o município tenha estagnado nos tempos de Raimundo “Chapéu de Couro”, que dava nome à cidade até 1994. Ruas sem asfalto, casas de taipa e teto de palha ajudam a dar um ar de zona rural de tempos antigos. Lá, os candidatos a prefeito estimaram gastar R$ 3,6 milhões. Uma quantia considerável se for levada em conta o universo de eleitores cadastrados: 7.837. Se todos desembolsarem o que planejam, serão R$ 459,35 por eleitor.
 “É muito dinheiro!”, espantou-se José Rodrigues, de 71 anos. “Aqui é pobre, pobre mesmo. Dinheiro é mais difícil do que outra coisa. Não tem emprego, não tem nada.”
Em Governador Newton Bello, quatro a cada dez moradores acima dos 15 anos são analfabetos. E em bairros paupérrimos, como São José, a situação não mudou em quatro anos, com ruas de terra e casas sem esgoto.
Em Presidente Juscelino, o 28º pior IDH do Brasil, emprego só na prefeitura. Sem isso, os juscelinenses penam em bairros paupérrimos, onde a rede de água só cobre 41% dos domicílios. Ainda assim, os candidatos à prefeitura estimaram despesas de até R$ 368,64 por eleitor. Por lá, são 8,8 mil os cadastrados para votar, e as estimativas de arrecadação dos aspirantes ao Executivo local somam R$ 3,25 milhões. Valor considerável numa cidade em que o PIB de 2009 – a última medição oficial – foi de R$ 38,4 milhões.
Na cidade de Traipu, a 188 quilômetros de Maceió, os três candidatos a prefeito prometem gastar juntos R$ 2,4 milhões, valor considerável para uma cidade de 15 mil eleitores. Apesar de estar à beira do rio São Francisco, a cidade foi arrasada pela seca, sem contar os casos de corrupção. Em cinco anos, segundo a Polícia Federal, foram desviados R$ 15 milhões dos cofres da cidade. Em Traipu, sete a cada dez pessoas não sabem ler e escrever. Quando as televisões não pegam por falta de sinal, os traipuenses se apinham para assistir a um festival de decisões judiciais que fez a pequena cidade perder três prefeitos em menos de um ano. Eleito em 2008, Marcos Santos (PTB) foi afastado e preso cinco vezes por diferentes operações da PF.
“É loucura. Parece que vivemos em uma cidade cenográfica da Globo. Nenhum autor de novela teve tanta imaginação para escrever sobre uma cidade como Traipu”, diz um morador da 4ª cidade de pior IDH no país, sem querer se identificar, devido ao clima na cidade.
Na cidade de Uruçuí, no sul Piauí, a previsão dos quatro candidatos à prefeitura é gastar quase R$ 6 milhões em busca do voto de 15 mil eleitores. Na cidade, apenas 48,9% das ruas têm pavimentação e metade da população acima de 10 anos vive com R$ 100 por mês. O prefeito de Uruçuí, Valdir Soares da Costa (PT), planeja gastar R$ 1,5 milhão, o mesmo valor previsto para a campanha de Firmino Filho (PSDB) à prefeitura de Teresina, onde há propaganda de TV.
Candidato diz que campanha é cara
Os candidatos que declararam as maiores estimativas de orçamento disseram que trata-se apenas de “uma previsão”. Nelma Pinho (PT) apresentou teto de gastos de R$ 1 milhão, mas afirmou que, “independentemente de Presidente Juscelino ser muito carente”, teve de fazer este planejamento para ter alguma chance contra os concorrentes. Já Rildo Gomes (PRB), que disputa em Governador Newton Bello e estabeleceu o limite de gastos em R$ 2 milhões, disse que a falta de estrutura da cidade colabora para a alta previsão de despesas:
“Há muitos povoados de difícil acesso, e a campanha só pode chegar a esses lugares com veículos que possuem tração nas quatro rodas, cujo aluguel é bastante caro”.
Candidata à reeleição em Araioses, a prefeita Luciana Felix (PSD), conhecida como Luciana Trinta, se recusou a falar por telefone sobre sua previsão de gastos de R$ 1,2 milhão. (Juliana Castro, Oswaldo Viviani, Odilon Rios e Efrém Ribeiro)
Verba de campanhas seria suficiente para 40 creches e sistema de esgoto
Quarenta creches, 50 unidades do Programa Saúde da Família (PSF) e sistema de rede e tratamento de esgoto para levar saneamento básico a 41 mil brasileiros. Esse é um exemplo do pacote de obras que poderia ser realizado com o orçamento de R$ 97,2 milhões apresentado pelas campanhas eleitorais nos cem municípios mais pobres do país.
Segundo o embaixador do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho, o custo médio de implantação de um sistema completo de esgoto é de R$ 1.200 por habitante. Isso significa que o investimento para um município de cerca de 10 mil habitantes garantir a 100% de seus moradores acesso a saneamento é de cerca de R$ 12 milhões. Em Governador Newton Bello (MA), cidade com o 11º pior IDH do país, os quatro candidatos a prefeito apresentaram, juntos, orçamentos de campanha de R$ 3,6 milhões, o suficiente para garantir a 25% dos seus quase 12 mil habitantes condições sanitárias mais adequadas.
“A quase totalidade desses pequenos municípios não tem serviço de coleta de esgoto. O cenário brasileiro é horroroso. Somente metade da população do país tem acesso hoje a esse serviço”, destaca Pinho.
Outra carência recorrente nesses pequenos municípios é o acesso a creches, segundo um dos dirigentes da ONG Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Salomão Barros Ximenes.
“A oferta de vagas em creche é hoje uma das maiores dificuldades. Nesses pequenos municípios, ela é baixíssima, quando não é inexistente”, disse.
Em Uruçuí (PI), a ampliação de vagas de creches é tema de destaque na eleição. Juntos, os candidatos a prefeito estimam para suas campanhas gastos de até R$ 5,9 milhões, o suficiente para construir oito creches. Segundo o Fundo Nacional de Educação, o investimento médio de construção de uma unidade pequena, em torno de 500 metros quadrados, é de R$ 670 mil. Na saúde, com 13% do dinheiro previsto para as campanhas na cidade seria possível dar cobertura total aos 20 mil habitantes no PSF. (Sílvia Amorim, de O Globo)
Candidatos de Pres. Juscelino, Araioses e Newton Bello prevêm gastar R$ 11 milhões
POR OSWALDO VIVIANI
Os 15 candidatos que disputam as eleições nos municípios maranhenses de Presidente Juscelino, Araioses e Newton Bello declararam à Justiça Eleitoral uma previsão de gastos de R$ 11,15 milhões.
Em Presidente Juscelino, o total de gastos previstos pelos seis candidatos é de R$ 3,25 milhões. A cidade tem Índice de Exclusão Social (IES) de 72,55% – quase 8.300 dos 11.541 habitantes (Mapa da Exclusão Social no Brasil, 2008, José Lemos).
A professora Nelma de Pinho (PT) foi a que registrou maior previsão de gastos: R$ 1 milhão. Artur Carvalho, do PV (R$ 950 mil); Cláudio de Oliveira, do PPS (R$ 500 mil); Dácio Pereira, do PSL, atual prefeito (R$ 400 mil); Afonso Teixeira, do PMN (R$ 200 mil); e José Magno Teixeira, do PSDB (R$ 200 mil) completam a relação.
Em Araioses, cinco candidatos planejam gastar R$ 4,3 milhões em suas campanhas. O Índice de Exclusão Social (IES) do município é de 74,05% (mais de 31 mil dos 42.500 moradores).
A candidata Luciana Marão Felix, a “Luciana Trinta”, do PSD, declarou ao TSE que prevê gastar R$ 1,2 milhão na campanha. Ela é mulher do ex-deputado federal Remi Trinta, acusado de crime ambiental e irregularidades na aplicação de verbas do SUS.
Luciana é seguida por Valéria Leal, do PR (R$ 1 milhão); Pedro Santos, do PMDB (R$ 900 mil); Espedito Coutinho, do PC do B (R$ 700 mil); e Haroldo Cardozo, o “Haroldo do Zé Tude”, do PDT (R$ 500 mil).
Já os quatro candidatos de Governador Newton Bello registraram previsão de gastos de R$ 3,6 milhões. O município abriga cerca de 7.750 excluídos sociais (65,43% dos quase 12 mil habitantes).
Quem previu mais gastos de campanha em Newton Bello foi o empresário Rildo Gomes, do PRB (R$ 2 milhões). Vêm a seguir Sidney Vieira, do PP (R$ 800 mil); Leula Brandão, do PRTB, atual prefeita (R$ 500 mil); e Roberto Araújo, do DEM (R$ 300 mil).
‘Não há explicação para o uso de tantos recursos’, diz procuradora eleitoral
Sandra Cureau diz que municípios mais pobres têm histórico de malversação de verbas públicas
A procuradora Sandra Cureau afirmou que a justificativa apresentada por alguns candidatos – a de que, por não terem tempo de televisão, têm que se deslocar mais, e por isso gastam mais – não é razoável. Ela lembra que a produção de programas de rádio e TV é um dos maiores custos de uma campanha:
“O que mais eleva o custo das campanhas, a produção dos programas de TV, eles não têm. O que terão de custos? E quem vai financiar? Provavelmente, o dinheiro não vem do próprio candidato e será devolvido em fraudes de licitações, desvios de verbas federais, a mesma história de sempre. Não tem outra explicação para o uso de tantos recursos nas eleições de locais tão pobres. É triste, porque, quando o eleitor vende seu voto, é porque não acredita que um dos candidatos seja capaz de fazer o melhor por ele”.
Segundo Sandra, os locais mais pobres recebem verbas federais e também estaduais, até para que possam sair da pobreza. A procuradora enfatiza o histórico de muitos prefeitos destes locais, que tiveram seus mandatos cassados por uso ilícito de verbas públicas:
“Boa parte dessas cidades têm históricos de prefeitos envolvidos em malversação de dinheiro público”.
Professora de Direito Eleitoral da FGV e ex-procuradora eleitoral do Rio, Silvana Batini diz que o valor elevado da estimativa feita pelos candidatos em cidades tão pobres é um contrassenso e um indicativo de que os financiadores podem ter interesses que não os mais democráticos.
“Campanhas caras em municípios tão pobres são um sinal muito eloquente de que a coisa vai mal. Quem doa faz um investimento. Temos que pensar: quem vai bancar os custos destas campanhas e por qual razão? Amor à democracia? Difícil pensar nisso. O financiamento de campanha está na raiz do sistema de corrupção da administração pública e não apenas a corrupção eleitoral. Quando o candidato vai pagar pelo investimento? Quando for eleito”, avalia Batini.
Doação de pessoas jurídicas – Para a professora da FGV, uma solução para amenizar o problema do financiamento seria acabar com a possibilidade de doações de pessoas jurídicas, mantendo apenas doações de pessoas físicas. Segundo ela, a Ordem dos Advogados do Brasil já entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que a doação de pessoas jurídicas seja declarada inconstitucional.

“É utópico pensar que a proibição virá por lei, já que os políticos são os primeiros beneficiados com a medida. A ação está parada, mas o Judiciário poderia dar esse passo. Não há justificativa para a doação de pessoa jurídica.” (O Globo)

Nenhum comentário

‹‹ Postagem mais recente Postagem mais antiga ››

Sou Sórcio, sou forte. Seja você também um sórcio.