Vice-presidente fez apelo para que manifestantes voltem para suas casas. Ativistas pró e anti-Mubarak fazem batalha campal em praça do Cairo.
Subiu para 611 o número de feridos nos confrontos de rua no Cairo entre opositores e partidário do presidente do Egito, Hosni Mubarak, que deixaram ao menos um morto, segundo nova estimativa divulgada na noite desta quarta-feira (2) pelo Ministério da Saúde.O morto é um militar que caiu de uma ponte, segundo Abderaman Shahine, porta-voz do ministério. Não há feridos a bala.
Os embates intensificavam-se ao cair da noite.
Gás lacrimogêneo era lançado contra os manifestantes, e dois coquetéis molotov teriam atingido o Museu do Cairo, que fica na praça, mas sem provocar dano.
O recém-nomeado vice-presidente Omar Suleiman fez um apelo para que todos os manifestantes voltem para suas casas e respeitem o toque de recolher para restaurar a calma no Cairo.
Segundo Suleiman, o diálogo entre as forças políticas depende do fim dos violentos protestos nas ruas. "Peço a todos os cidadãos que retornem a suas casas e obedeçam ao toque de recolher para colaborar com os esforços das autoridades de restaurar a calma e a estabilidade e limitar os danos e perdas que as manifestações têm causado ao Egito desde que iniciaram na semana passada", disse.
Segundo um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu ao vice-presidente egípcio que investigue a violência desta quarta-feira nas manifestações no Cairo.
Repercussão
Vários lideres, Barack Obama à frente, pediram ao contestado Mubarak que comece já a transmitir o poder, após nove dias de violentos protestos populares.
Mas a chancelaria do Egito rejeitou o apelo, afirmando que seu objetivo é "inflamar a situação interna do Egito".
Os confrontos na Praça Tahrir começaram cedo. Os grupos de oponentes agrediram-se com paus e jogaram pedras uns nos outros na praça, foco do movimento antigoverno dos últimos dias, sob os olhares dos militares, que não interferiram a princípio.
Partidários de Mubarak partiram com cavalos e camelos contra os oposicionistas, antes de terem sido obrigados a desmontar, segundo testemunhas.
A oposição acusou policiais de terem se infiltrado no local, rompendo o cerco dos militares, disfarçados de partidários do governo, neste que é o nono dia de protestos contra o regime de Mubarak. Na TV estatal, o Ministério do Interior negou a acusação.
Oposicionistas disseram que, apesar do confronto, não deixariam a praça, em que estão acampados nos últimos dias.
Militares usavam alto falantes para pedir calma aos dois lados, segundo imagens mostradas pela rede Al Jazeera. Tiros foram disparados para o alto, segundo testemunhas.
O líder oposicionista Mohamed ElBaradei afirmou que o confronto é uma "tática de intimidação" do governo e disse temer um "banho de sangue". Ele também pediu a intervenção do Exército.
Os nove dias de protestos já deixaram mais de 100 mortos, segundo estimativas. De acordo com o Alto Comissariado da ONU, o número de mortes pode chegar a 300. Ainda não há números oficiais.
Oposição insiste em saída
Pouco antes, a coalizão de partidos oposicionistas havia anunciado que vai continuar pressionando, com as manifestações de rua, pela saída imediata de Mubarak, e que só depois de sua renúncia começaria a negociar com o vice-presidente Omar Suleiman.
Na véspera, Mubarak havia anunciado que não tentaria sua quinta reeleição e deixaria o governo em setembro, após um período de "transição suave" de poder.
Em comunicado à parte, a Irmandade Muçulmana, importante grupo oposicionista, disse que também não aceita que Mubarak encerre seu mandato.
"O povo rejeita todas as medidas parciais propostas pelo chefe do regimee não aceita outra alternativa a não ser sua saída", afirma o grupo.
No discurso da véspera, o presidente, de 82 anos e no poder desde 1981, havia autorizado Suleiman a começar a negociar com todos os grupos opositores.
"Pedimos ao povo que continue protestando na Praça Tahrir e pedimos que todos participem da 'Sexta-feira da Partida'", disse o porta-voz.
Durante a manhça, na TV estatal, um porta-voz do Exército -que não reprimiu os manifestantes nos últimos dois dias- disse que os egípcios "transmitiram sua mensagem", que suas reivindicações estavam sendo atendidas, e que era hora de ajudar o Egito a "voltar à vida normal".
O país também atenuou o toque de recolher, que agora vai vigorar entre 17h e 7h (11h e 3h do horário brasileiro de verão), em vez de entre 15h e 8h, como era desde sexta-feira, segundo a TV estatal. A decisão foi do próprio Mubarak.
O acesso à internet, que havia sido cortado no país em 28 de janeiro, tinha voltado parcialmente nas cidades do Cairo e de Alexandria, segundo usuários. O corte, protagonizado pelo governo para tentar dificultar a organização dos protestos, gerou críticas da comunidade internacional.
Transição suave
Mubarak, que está há 30 anos no poder, afirmou em discurso na TV que, nos meses que restam de seu quinto mandato à frente do pais, vai ajudar a cumprir as exigências da coalizão de forças oposicionistas que o desafia -inclusive, fazer reformas do judiciário que ajudem a combater a corrupção.
Ele disse que o país atravessa um "momento difícil", que a prioridade é a "estabilidade da nação" e prometeu dialogar com todas as forças da oposição.
Mubarak afirmou também que sua decisão não estava relacionada aos protestos dos últimos dias e que nunca teve a intenção de tentar um novo mandato.
Pressão internacional
A pressão internacional pela saída imediata de Mubarak -antes um fator de estabilidade na região- aumentou depois de seu pronunciamento.
O presidente dos EUA, Barack Obama, disse na noite da terça que a situação de Mubarak é insustentável e que a transição deveria começar imediatamente.
Os EUA estão inquietos "com as detenções e ataques" à imprensa que cobre a crise egípcia, informou o Departamento de Estado nesta quarta.
A Casa Branca informou que "deplora e condena" a violência contra "manifestantes pacíficos".
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse na quarta em Londres que o ataque a manifestantes pacíficos é "inaceitável'.
A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, pediu a Mubarak que atue "o mais rapidamente possível" no sentido de uma transição política.
"Mubarak deve responder à vontade da população, expressa nas manifestações", e "agir com muito cuidado para demonstrar que está avançando", disse.
"Não há nenhuma dúvida sobre o sentido que nós damos aos termos 'transição' e 'transformação'" no país, que adquiriram "um caráter urgente, e por isso pedimos ao presidente Mubarak que faça as coisas o mais rapidamente possível", afirmou Ashton, indagada sobre a promessa do líder egípcio de não concorrer à reeleição no pleito presidencial de setembro.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, pediu que a transição de governo comece sem violência e o mais rápido possível.
"Depois do presidente Mubarak, o presidente da República (francesa) reitera o desejo de que comece sem demora um processo de transição que permita concretizar o desejo de mudança e de renovação que a população tem expressado com intensidade", afirma um comunicado da presidência presidencia.
Em Berlim, o chefe da diplomacia alemã, Guido Westerwelle, celebrou o fato de Mubarak querer "abrir o caminho para uma renovação política".
"Temos que ver agora que papel deseja e poderá desempenhar", disse Westerwelle.
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, considerou insuficiente o anúncio de Mubarake opinou que o presidente egípcio deve renunciar imediatamente para satisfazer as reivindicações de seu povo.
"O povo (egípcio) espera uma decisão muito diferente de Mubarak", disse Erdogan em visita ao Quirguistão, segundo o canal de notícias NTV.
O ex-presidente cubano Fidel Castro disse na terça que "a sorte de Mubarak está lançada" e nem os Estados Unidos conseguirão manter em pé o governo do Egito.
Levantes em outros países
Nesta quarta, o presidente de Iêmen, no poder há 32 anos, cedeu a protestos da oposição e disse que não vai tentar a reeleição.
Na terça, o rei da Jordânia -outro importante aliado dos EUA no mundo árabe- havia anunciado uma mudança no governo o país, também depois de protestos populares e de opositores.
Os protestos em Egito e Jordânia -assim como Marrocos, Iêmen e Síria- foram inspirados pelo levante popular que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, que caiu pela pressão popular após 23 anos no poder.
Estrangeiros
Milhares de estrangeiros se acotovelavam nesta quarta no aeroporto do Cairo, onde a situação era caótica, para conseguirem voos para fora do país.
China, Japão, Canadá, Reino Unido e Turquia anunciaram voos extras para o Egito nos últimos dois dias, para retirar seus cidadãos do país.
"O aeroporto se encontra em estado de pandemônio; todas as companhias aéreas estão disputando espaços para decolagens e aterrissagens", disse Mark Briffa, executivo-chefe da Air Partner, organizadora de vôos fretados.
O governo britânico anunciou que cidadãos britânicos interessados em aproveitar o voo fretado para Londres organizado pelo governo pagarão 300 libras (486,4 dólares) pelo voo.
Agências de viagens informaram que a situação nos resorts turísticos do Mar Vermelho ainda é de calma, sem problemas de abastecimento nos hotéis.
Jornalista agredido
Um jornalista belga foi agredido nesta quartae levado para um barracão militar na periferia do Cairo, sob a acusação de apoiar Mohamed ElBaradei, informou o jornal "Le Soir", para o qual trabalha.
Em breve telefonema ao jornal, Serge Dumont afirmou ter sido atacado por um grupo de civis não identificados.
País chave
O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é importante aliado do Ocidente na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos.
Além disso, é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz con Israel. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime ao estilo iraniano, caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado".
O turismo é uma das maiores fontes de receita do exterior no Egito, sendo responsável por mais de 11% do PIB e fonte de empregos, em um país com alto índice de desemprego. Cerca de 12,5 milhões de turistas visitaram o Egito em 2009, proporcionando receita de US$ 10,8 bilhões.
Suez
O chefe do Estado Maior conjunto americano, almirante Mike Mullen, expressou sua "confiança" de que o exército egípcio garanta a segurança do país e do canal de Suez, em uma entrevista por telefone, informou o Pentágono nesta quarta-feira.
Em uma conversa com seu colega egípcio, o tenente general Sami Enan, Mike Mullen "expressou sua confiança na capacidade do exército egípcio de garantir a segurança de seu país, tanto internamente como na região do Canal de Suez", disse o porta-voz, o capitão John Kirby, em comunicado.
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