De cada 100 cidades brasileiras 15 não possuem creche

Os estados com maior número de cidades sem creche são Minas, Rio Grande do Sul e Maranhão.

RIO - O Fantástico fala de um drama que afeta milhões de famílias brasileiras: a falta de creches. De norte sul do país, nas cidades e no campo, muitas e muitas mães trabalhadoras vivem preocupadas, porque simplesmente não têm onde deixar seus filhos.

A situação é preocupante. De cada 100 cidades do Brasil, 15 não têm nem uma sala para atender crianças de zero a três anos de idade. São 827 municípios sem um lugar para a criançada socializar e aprender.

Um levantamento exclusivo, com dados do censo escolar do Ministério da Educação, revela: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Maranhão são os estados com o maior número de cidades sem creche. No Maranhão são 64. “Tem muita criança para ficar sem estudar, sem ir para o colégio. É ruim demais mesmo”, diz uma jovem.

No Rio Grande do Sul, famílias de 133 cidades não têm onde deixar seus filhos pequenos. “O motivo maior é que eu estou mudando, porque não tem creche aqui”, afirma uma mulher.

Em Minas Gerais, são 172 municípios nessa situação. “Tenho que trazer para o serviço porque não tenho onde deixar”, conta uma senhora.

Nesses estados, o Fantástico visitou as três maiores cidades que enfrentam o problema. Em Piranga, a 200 quilômetros de Belo Horizonte, encontramos Clarete, que precisa levar a filha de um ano para o trabalho.
“Quando a minha mãe está viajando, tenho que trazer, porque não tem onde deixar”, explica Clarete. “Estou passando roupa e ela está aqui perto de mim, mas eu fico morrendo de medo de ela se queimar.”
Em nota, a prefeitura de Piranga alega que os recursos são escassos e que prioriza a educação só a partir dos quatro anos.

No Brasil, a creche é a primeira etapa do Ensino Básico antes da pré-escola. Os pais não são obrigados a colocar seus filhos na creche, mas o governo precisa atender os que querem. É direito da criança, está na Constituição.

“Na creche, na escolinha, vai ter outros desafios de habilidades sociais. Ela vai ter que disputar com outras crianças ou mesmo com os adultos que não vão ser iguais à mãe. Do ponto de vista afetivo, ela vai criar outros laços”, aponta Marisol Monteiro Sendini, pediatra e psicanalista do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência da USP.

Márcia e o marido se mudaram de uma cidade maior, Santa Cruz, para a pacata Vela do Sol, no Rio Grande do Sul, em busca de tranquilidade. Trouxeram os dois filhos pequenos, e se depararam com um grave problema. “De não ter uma creche aqui, não ter um lugar onde eu possa confiar para deixar os dois”, diz Márcia.

Ela conta que, na cidade onde morava, o menino frequentava uma creche. “Ele não sabe mais brincar como ele brincava com as outras crianças e ficou dependente de mim”, conta a mãe do menino.
Resultado: depois de pouco mais de um ano, Márcia está de mudança de novo, em busca de uma cidade com creche. “Dá uma tristeza ir embora”, lamenta.

E não é só a família dela que sofre em Vale do Sol. A agricultora Nadir dos Santos, que trabalha na roça, precisa deixar o filho de três anos sozinho com os outros filhos de 10 ou 11 anos. A mais velha tem 13 e nem sempre está em casa.

“Eu penso que eles podem se machucar. Dou graças a Deus a hora em que eu venho para a casa ao meio-dia para ver eles”, diz Nadir. “Se tivesse uma creche, me ajudaria muito.”

O representante da prefeitura, Claudiomir Carnopi, alega que a creche ainda não saiu, porque o projeto foi rejeitado pelo Ministério da Educação. O terreno tinha cinco metros quadrados a menos do que o MEC exige. “Acho que a questão burocrática não pode ficar acima do interesse da comunidade, que é ter uma creche”, opina.

Oferecer creches é obrigação das prefeituras, mas o Ministério da Educação ajuda a financiar. Hoje, de cada 100 crianças de zero a três anos, só 16 estão na creche. O Ministério da Educação pretende subir esse índice para 50% até 2020. Para cumprir essa meta ambiciosa, diz que está reduzindo a burocracia.
“O MEC tem flexibilizado e negociado com as cidades adaptações do modelo original. A situação tem melhorado. A matrícula praticamente dobrou em dez anos nas creches, mas nós temos um longo caminho a percorrer”, reforça Maria do Pilar Lacerda, secretária do Ensino Básico do MEC.

O caminho da equipe do Fantástico também é longo. Cruzamos o Brasil do Sul até o Maranhão. Pegamos a balsa que liga São Luís, a capital do Maranhão, ao interior do estado. O nosso destino é Pinheiro, a cidade com o maior número de habitantes entre as que não têm creche no Maranhão.

Pinheiro tem quase 80 mil moradores - a maioria na área urbana. A única instituição que atende crianças de dois e três anos na cidade é uma filantrópica, mantida pelo padre italiano Luigi Risso, que não tem qualquer ajuda oficial. “Até agora, nossos benfeitores da Itália mandam o dinheiro para mim. Mas não dá nunca para cobrir as despesas”, diz.

As sete escolas criadas por ele só atendem crianças as partir de dois anos de idade. “Sei que ele está em boas mãos, bem cuidado”, diz uma mãe.

Mas, para as mais novas, não há opção. A prefeitura de Pinheiro confirma que não tem creches e prometeu a construção de uma unidade para os próximos meses. Alega que o projeto já está aprovado pelo MEC.
Do Maranhão, descemos mais de três mil quilômetros até São Paulo. O estado mais rico do país tem 15 cidades sem atendimento para as crianças pequenas. É o caso de Barra do Turvo, que fica a pouco mais de 300 quilômetros da capital.

Como não existe creche na cidade, a dona de casa Nádia Batista fez uma espécie de creche improvisada na casa dela. “Elas precisam trabalhar e deixam as crianças aqui comigo”, explica.
Nádia não cobra nada“

Quem ajuda Sara é o filho mais velho, de 14 anos. “Tem que cuidar do meu irmão”, conta o menino.
O secretário de Planejamento de Barra do Turvo, Calso Silva, diz que esse ano a creche sai. “Já está tudo encaminhado, tem o primeiro parecer favorável”, garante.

O drama se repete Brasil afora. Mesmo em cidades quem têm creche, há milhares de bebês e crianças esperando vaga. Só na cidade de São Paulo, são 100 mil.

A faxineira Rosilene Nascimento mora em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Tem 11 filhos. Elisabete, de 16 anos, cuida dos três irmãos menores de três anos. “Nunca nenhum foi para creche. Nunca consegui vaga para eles”, diz a faxineira.

Acompanhamos Rosilene até a creche em que ela espera vaga para os filhos. Sem saber que estava sendo filmada, a funcionária diz que não tem vaga e dá uma sugestão. “Muitos vão atrás dos políticos: vice-prefeito, vereador. Tem que insistir até uma hora que ele vai encher o saco, vai ficar de saco cheio de você, e te dar a vaga. Pelo menos, sou eu que penso assim”, diz a funcionária.

Por telefone, a prefeitura confirmou que recebe pedidos de vereadores, mas disse que não atende, até porque não há vagas. Em nota, informou que há mil crianças na fila de espera.

Na capital paulista, o mesmo problema. Quando Cauê completou um mês, em agosto de 2010, a faxineira Sandra de Sousa procurou uma creche. “Fui tentar para ver se, quando voltasse a trabalhar no começo do ano, conseguia uma vaga”, lembra Sandra.

Cinco meses depois, nada. Preocupada, porque a vizinha que ajuda a cuidar de Cauã vai se mudar, Sandra voltou à creche. “Fui lá cobrar. Falaram que tem 11 crianças na frente dele. E a previsão para esse ano é que não tem vaga”, relata.

Em nota ao Fantástico, a prefeitura de São Paulo diz que está construindo novas unidades e ampliando parcerias com outras instituições. Afirma também que é uma das poucas cidades que oferecem vaga para filhos de mães que não trabalham.

“Essas crianças pequenas, convivendo com outras pequenas, têm outro tipo de desenvolvimento. Elas conseguem estabelecer relações com outros adultos e com outras crianças, elas têm acesso a outro tipo de brincadeira. Então, a creche se configura como espaço importante para a criança pequena”, explica a especialista em educação infantil Maria Letícia Nascimento, pela USP.

Fantástico

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