“AS CRIANÇAS QUE NINGUÉM QUER”

(Por Aurélio Munhoz - Revista Carta Capital, 12/04/2011)
Esse é o título de um texto que tem circulado, discretamente, pelo grandioso mundo virtual da internet. Aborda um daqueles temas incômodos e constrangedores que a sociedade adoraria ignorar mas que, pela sua extrema relevância, é obrigada a enfrentar: as crianças abandonadas; mais especificamente, as portadores do vírus HIV, uma legião de 19,3 mil meninos e meninas que pouca gente se dispõe a acolher em suas casas.
O caso é tão sério que resultou na criação do “Monaci “(Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis), um grupo de voluntários que têm se dedicado à heróica tarefa de fazer as pessoas entenderem que estes pequenos brasileiros merecem a chance de ter um lar. Acredite, caro leitor: não há nenhum excesso no adjetivo porque um odioso e velado preconceito atua contra estes pequenos cidadãos. 
Resulta da costumeira desinformação – quando não da pura maldade – com a qual instrumentalizamos nossos julgamentos sobre as coisas e as pessoas que não conhecemos direito. No caso, crianças que, a despeito do fato de serem soropositivos, podem levar suas vidas normalmente.
Pior é que o problema não é exclusivo delas. Outra multidão de menores amarga uma dura luta contra o tempo à espera de uma família que nunca vem. Mais precisamente, as 8.598 crianças e adolescentes que já passaram pelo Cadastro Nacional de Adoção mas que, por conta da burocracia, legalismo e insensibilidade de parte do Judiciário, ainda prosseguem na sua busca. Agora, o detalhe mais doloroso desta história sem final feliz: do número acima, nada menos que 3.784 crianças (44%) deixaram o CNA porque chegaram à maioridade. Ou seja: foram privados de uma família na infância por força de uma desastrosa conjuntura histórica.
Ainda a este propósito, reportagem publicada pelo jornal Gazeta do Povo, do Paraná, denuncia que o CNA ainda está distante do objetivo que inspirou sua origem, em 2008 – maior rapidez no processo de adoção dos menores que vivem nos abrigos. Nestes três anos, o Cadastro Nacional de Adoção funcionou para apenas 425 crianças, quando a nova lei que trata do tema define que o uso de cadastros de adoção é obrigatório.
Vergonhosamente, o Paraná é um dos Estados nos quais há maior resistência à utilização do CNA. O motivo é o equivocado entendimento de certos juízes de preferir que crianças paranaenses sejam adotadas por pais paranaenses. Na “cidade-modelo” do Brasil, das quase mil crianças que vivem em abrigos, apenas 16 integram o CNA. Em parte, isto explica porque, em Curitiba, as adoções caíram de 160 em 2009 para 123 no ano passado – números que o Monaci, aliás, questiona.
Os números falam mais alto. E nos convidam a refletir sobre a postura da sociedade diante dos portadores do vírus HIV, bem como sobre o compromisso de certos setores do Judiciário com o bem-estar destes frágeis seres humanos – soropositivos ou não, brancos ou negros, meninos ou meninas. Crianças, em uma palavra. Mas que, a julgar pela cegueira de muitos de toga e da ignorância de centenas de milhares de brasileiros, transmitem a falsa impressão de que ninguém quer. Triste que seja assim.
·         Em Açailândia do Maranhão, temos um legado da cultura nordestina, famílias simplesmente “ficarem” com crianças. E até “tirarem” certidão como se suas fossem...Entre clãs familiares, é costume “cuidar e criar” crianças de outrem...Mas nos ‘abrigos’ locais  a realidade é bem diferente: crianças cujo acolhimento ultrapassou os limites impostos pela lei, ou cujo retorno ao convívio familiar se torna impraticável por falta de um processo sério de ‘reinserção’; criança acolhida entregue a família substituta e ‘retomada’ sete anos depois pela mãe biológica, assim sem mais sem menos; bebê acolhido após entregue pela mãe a família candidata a adoção, onde permaneceu mais de mês, enfim, situações complicadas e vexatórias que pisoteiam o ECA/Estatuto da Criança e do Adolescente e a ‘nova lei da adoção’ (Lei n.º 12.010/2010). Os interesses maiores da salvaguarda e do bem-estar das crianças nem sempre são observados pelos órgãos promotores e protetores, que alegam critérios e questões técnico-burocráticas e judiciais, esquecendo-se que a primeira intervenção é sempre de ordem social.  Em tempo: não se tem informações sobre funcionamento e regularidade do CNA/Cadastro Nacional de Adoção aqui no município, ou algo oficial parecido.
Por Eduardo Hirata

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