Fala-se muito em diminuir a maioridade penal, mas a verdadeira questão que se coloca para o país é aumentar a ''maioridade educacional''
Crimes brutais envolvendo jovens, sua repercussão na mídia e as discussões no Congresso mostram, há semanas, nossa sociedade se preparando para se proteger de seus jovens, não para protegê-los. Aceita-se com naturalidade um mundo em que criança não é esperança, é problema. Se parece exagero, conto três episódios que vivi recentemente:
Terça-feira, 13 horas, restaurante universitário. Um colega diz: "Não importa a idade. Envolveu-se em crime? Cadeia!" Outro responde: "Vai se aperfeiçoar no crime, nas cadeias que temos..." O primeiro replica: "Será mais negócio mandar pras escolas que temos?" Afasto-me. Se cadeia e escola não são "negócio", nessa conversa entre acadêmicos alguém pode chegar a propor a pena capital...
Quinta-feira, 16 horas, rua de comércio. Dormindo na calçada, um menino "atrapalhando o tráfego". Tento falar com ele e alguém me adverte: "Não perca tempo. Ele tá chapadão de crack!" Pergunto: "Um policial não poderia levá-lo a um hospital?" O comerciante responde: "Passou um agorinha e nem ligou. Tem dúzias deles largados assim aqui, no centro". Sigo em frente, buscando conserto para um velho computador...

Bertolt Brecht, em seu teatro pedagógico, propõe que não nos emocionemos, mas pensemos. Só que aqui nem é teatro. Sou eu, cúmplice dessa cidade que abandona suas crias. O Brasil não é só isso, e sei de muitos lugares que nem fazem idéia do inferno das metrópoles, mas as notícias envolvem todos e discutir as soluções também. Discutamos, pois.
No debate sobre se é mais barato prevenir ou remediar, ouve-se que cada presidiário custa por mês mais do que dez alunos na escola e que cada menor infrator confinado custa mais do que 20 crianças na escola. E se cadeia não adianta e preso é tão caro, há quem diga que pena de morte barateia... Não é preciso ser jurista para se chocar. Todos sabemos que preso é responsabilidade do Estado, a qualquer custo. Mas criança na escola não é responsabilidade do Estado? E a que custo? Um décimo do que gastamos com os presos e um vigésimo do que custa um infrator?
Há milhões de jovens sem trabalho, escola e vida social decentes - entre eles, milhares de crianças de rua e outras tantas viciadas, prostituídas ou envolvidas com a contravenção e o crime. Cuidar desses últimos é essencial, mas sem solução para os demais equivale a enxugar gelo... Como é impossível arranjar de repente ocupação para milhões (ainda mais milhões que não completaram a escola básica), mais urgente do que discutir a maioridade penal é aumentar a maioridade educacional, com formação geral ou profissional mais vida cultural, música, esportes etc.
Porém quem cuidará disso? Assim como para evitar crimes as leis são importantes, mas não bastam, é preciso olhar cada criança como responsabilidade nossa e "desnaturalizar" a miséria. Se no lugar do menino largado na rua estivesse eu caído, com óculos e computador portátil, em minutos seria socorrido. Mas um menino drogado, descalço, traz menos riscos dormindo no chão do que em pé... Como aconselha Brecht, não é para se emocionar, é para pensar.
"Nossa sociedade está se preparando para se proteger de seus jovens, não para protegê-los. Como disse Brecht, não é de emocionar, é para pensar"
LUIS CARLOS DE MENEZES é físico e educador da Universidade de São Paulo e sabe que não se resolve a violência só com Educação, mas que sem Educação não se resolve nada.
Fonte: revistaescola.abril.com.br
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