O Partido Socialista Brasileiro (PSB) realizou nesta segunda-feira
(13) a eleição da nova Executiva Nacional da sigla. Com chapa única, eleita por
unanimidade pelos socialistas presentes no Salão Vermelho do Hotel Nacional, em
Brasìlia-DF, Carlos Siqueira é o novo presidente Nacional do PSB.
Confira abaixo o discurso completo do novo presidente:
Caros companheiros(as)
diretorianos(as), preciso iniciar agradecendo a todos pela confiança depositada
em mim. Ainda que eu não tenha almejado a posição com que vocês me
distinguiram, ela não pode deixar de ser motivo de satisfação especialmente
intensa, para alguém que tem servido ao PSB como operário de suas causas, ao
longo dos últimos 25 anos. Agradeço a todos, portanto, não tanto pela condição
a que serei levado, mas pela possibilidade de ampliar o horizonte do trabalho
que tenho feito, ainda que dentro do mesmo espírito de servir a nossa causa
comum.
Como não poderia deixar de ser, essa nova condição
se vê acompanhada de enorme responsabilidade, que tem como primeiro elemento o
fato de que muitos outros poderiam exercer as atividades que irão me caber com
mais propriedade do que eu poderei fazê-lo. Tal situação requer, portanto, uma
ampla capacidade de ouvir e de somar perspectivas, exigência à qual não me
furtarei, em nome do bem de nosso Partido.
O sentimento de gratidão próprio a momentos como
esse não deve, contudo, se restringir ao nosso presente imediato. O PSB tem uma
história singular e de vanguarda no sistema partidário brasileiro e, quando
ainda eram pouco evidentes os excessos totalitários que também ocorriam no
âmbito do socialismo real, soube se posicionar claramente no espectro das
forças que elegeram a democracia como princípio fundamental da atuação
política.
Superando a pecha que se impunha ao socialismo,
tanto à esquerda como à direita, o PSB se posicionou claramente pelo binômio
igualdade e liberdade, o que pareceu a todos inicialmente uma verdadeira
aberração política. Essa qualidade diagnóstica não é apenas política ou
intelectual; ela nos faz lembrar de homens exemplares, que podem e devem ser
seguidos, como luzes nas muitas veredas escuras que a história nos apresenta.
João Mangabeira, Antônio Houaiss, Jamil Haddad, Sergio Buarque de Hollanda,
Antonio Candido e tantos outros mantiveram-se no contexto de um humanismo
radical, quanto o pragmatismo político, a real politik, levou a sérios
descaminhos.
Poderia declinar uma infinidade de nomes de
qualidades ética e intelectual insuspeitas, mas nosso Partido tem um patrimônio
tão vasto que o tempo que me cabe aqui não seria suficiente para citar a todos.
Faço a devida justiça a cada qual, portanto, na pessoa de líderes que me
antecederam na presidência do Partido, dentro os quais destaco Miguel Arraes,
Roberto Amaral e a personalidade emblemática do Governador Eduardo Campos, que
tão cedo nos deixou e que, ainda assim, nos faz ricos a todos.
Ricos em generosidade, em amor pelo povo, na
capacidade de ouvir e de sermos membros de um Partido simpático à vida. Ricos
porque esta generosidade se prolonga em nosso presente, por meio da coragem
militante de Renata Campos e de seus filhos, que em meio ao sofrimento por uma
perda imensa, não deixaram de vislumbrar carências de nosso povo. Não pode
passar despercebido a ninguém que há em João Campos não apenas a habilidade
para a política própria a seu pai, mas especialmente uma certa qualidade de benignidade,
que distingue os homens que amam e respeitam o povo. Lembro que essa empatia
singela pela vida, pela condição de fragilidade em que se desenvolve a
existência de todos nós, é o maior antídoto a toda e qualquer forma de opressão
e isso não faltou jamais ao PSB como sujeito político.
Essa característica – se vocês me permitem dizer –
afetiva do sujeito coletivo que é o Partido Socialista Brasileiro, é essencial
à conjuntura política que temos pela frente. Existe uma perspectiva real de
mudança na vida política e social dos brasileiros, mas ela não pode se resumir
a uma mudança dos condutores das diferentes agências estatais. Ainda que isso
por si só seja bom para o País, não atende às urgências daqueles que
correspondem às escolhas programáticas do PSB, em sua atuação como
sujeito político.
Adentramos o atual certame eleitoral propondo uma
alternativa real, autêntica de alternância democrática de poder; alternativa
esta que uma tragédia interrompeu. O fez, contudo, mantendo acesa a chama
reluzente de sua irrealização. É instigadora e em algum grau “profética” a
divisa que nos conduziu até aqui: Não vamos desistir do Brasil. Se em sua
presença Eduardo Campos nos liderava e animava para frente, agora, sua memória
transformou-se em uma espécie de índice, que nos rememora de forma incisiva as
urgências dos de baixo. É esse sentimento, os compromissos que implica, que
distinguem o PSB e, como regra, os partidos de esquerda. Não podemos nos
conformar com a naturalização da subserviência, com a miserabilidade, com o
desperdício das faculdades criativas humanas.
Se nesse momento nos unimos a um partido de
conformação social democrata, não é para aderir a sua perspectiva de mundo.
Tampouco queremos ou poderíamos tomá-la por acessória no contexto de uma aliança.
O PSB precisa emprestar ao novo governo as perspectivas de um projeto que
aprofunde as conquistas sociais das últimas décadas e uma proposta de
desenvolvimento político e social que corresponda às potencialidades de nosso
País, o que pode ser conferido à aliança exatamente do mesmo modo que o pouco
de sal que se acrescenta ao prato lhe confere o sabor, em sua inteireza.
Para fins da construção de uma nova hegemonia,
importa menos o tamanho que cada qual no contexto da aliança e muito mais a
intensidade com que sua visão de mundo se faz presente. A um partido organizado
por uma perspectiva popular, como é o PSB, cabe ser dentre as forças de
oposição que se alinham no presente momento,o porta voz e o articulador das
reivindicações de um projeto de desenvolvimento que acolha os de baixo e que
atue a favor de sua emancipação.
Notem que não advogamos as causas das populações
empobrecidas enquanto tal, não temos o condão de substituir os movimentos
populares, que devem falar por si mesmos, em uma democracia verdadeiramente
vibrante. Um partido político de esquerda deve fazer valer as expectativas de
justiça e de emancipação cidadã desses segmentos, na construção de um
determinado campo hegemônico. Essa condição nos obriga a desenvolver uma
concepção dialética do Brasil, cuja pedra de toque no presente momento consiste
em conceber e implantar um projeto nacional de desenvolvimento econômico e
social, que se faça acompanhar de uma democracia ampliada pela participação
popular.
É interessante, nesse contexto, que a oportunidade
histórica que nos é oferecida se faça acompanhar de um fortalecimento do
Partido. Elegemos 34 deputados federais, 3 senadores e o Governador Paulo
Câmara de Pernambuco, que obteve a maior votação no primeiro turno desta
eleição (aproximadamente 70%) e disputaremos mais 4 governos estaduais em
segundo turno. Esses números e as propostas programáticas já oferecidas ao
candidato da coligação que passamos a integrar são nossas credenciais. Não
representamos, portanto, uma expectativa, uma promessa: estamos verdadeiramente
em meio ao povo e somos reconhecidos como uma agremiação que tomou seu partido
e lhe tem sido fiel.
A construção que levamos para fora, o modo como nos
apresentamos às demais agremiações partidárias e à população deve ter correspondentes
internos. Um partido como o nosso não é um fim em si mesmo e só se justifica ao
se organizar e se consolidar como um veículo para a transformação social. Se do
ponto de vista tático, portanto, impõem-se as alianças, a participação mesmo que
minoritária em determinados contextos hegemônicos, do ponto de vista
estratégico não pode haver dúvidas: fazemos sentido à medida que nos dediquemos
a uma luta sem tréguas à injustiça social.
O tema da organização partidária, por outro lado,
tem suas próprias pautas. Em primeiro lugar precisamos reforçar todas as linhas
de ação que nos qualifiquem como um sujeito coletivo, como Partido que tem
programa e visão de mundo. Ora, isso requer participação, uma concepção
horizontal de nossa estrutura, de tal forma que os dirigentes nas diversas
instâncias partidárias possam contribuir de modo efetivo para os rumos que
haveremos de tomar. O mesmo se dá com os segmentos organizados – jovens,
negritude, mulheres, LGBT, sindicalismo e movimentos populares.
Para que a tese da ampliação da participação não
fique apenas na retórica, é preciso dar lhe a devida institucionalidade, o que
se inicia pela definição de um calendário anual de reuniões da Executiva e
Diretório Nacional. Devemos estimular a adoção dessa mesma prática no âmbito
estadual, contemplando inclusive a criação de um Colégio de Presidentes dos
Diretórios Estaduais, ao qual caberia entre outras missões fazer a análise
conjuntural, avaliar o desempenho partidário e assistir a direção nacional na
definição de nossos rumos estratégicos.
Em um contexto mais geral e amplo o PSB deve atuar
para que a participação alcance o militante, de tal forma a que todos possamos
cultivar um genuíno sentimento de pertencimento. Ao falar de nossa militância,
devemos pensar além da figura em que muitos partidos a tem, ou seja, a de que
ela atuaria como uma espécie de infantaria, sob orientação da direção
partidária. O PSB pode seguramente fazer diferente e encontrar em seus
militantes artífices da construção do Partido.
Ainda no tema da organização interna, precisamos
lembrar que o vertiginoso crescimento do PSB nos últimos anos não decorreu do
improviso, ou como consequência de uma vinculação carismática com a população.
Foi fruto de planejamento estratégico, no sentido clássico do termo e as
realizações que logramos, eram apenas metas há alguns anos atrás. Por uma
fatalidade não chegamos à Presidência da República, mas toda as demais metas de
nosso Planejamento Estratégico foram alcançadas. Importa, portanto, retomar esse
processo e pensar em planejar nosso horizonte ao menos até 2018. Nessa
oportunidade é preciso que nos enderecemos como tarefa fundamental eleger as
grandes bandeiras que irão nos orientar, visto que nossa atuação partidária
deve ser sempre meio para fins que interessam às causas populares.
Observo, ainda, que não poderemos nos furtar a
fortalecer a área de política internacional do Partido, intensificando
iniciativas em que desponte a articulação com agremiações partidárias, de
diferentes países, sejam elas socialistas em sentido próprio, ou alinhadas às
perspectivas de nosso campo. Não iremos nos acanhar diante deste desafio, pois
uma perspectiva adequada em termos da política internacional, quanto aos modos
de inserção do Brasil no contexto de um mundo globalizado, deve ser elemento
especialmente relevante no projeto de nosso Partido.
A necessidade de planejar, própria a um Partido que
trabalha com metas de longo prazo, que não tem por foco apenas a eleição, mas
primordialmente a emancipação popular, faz com que a Fundação João Mangabeira
tenha uma importância estratégica e um lugar singular em nosso projeto
político. Precisamos em primeiro lugar, cuidar bem de nossos quadros;
inseri-los em todos os debates relevantes da contemporaneidade, levá-los a experimentar
no presente as possibilidades de uma sociedade pós-capitalista. Falamos aqui
não apenas de economia, de política ou de governos. É preciso que nossos jovens
cresçam em meio a uma cultura política que compreenda as potencialidades das
diferenças, a relevância da paz, os elementos propriamente sociais da palavra
fraternidade. Para construir uma perspectiva verdadeiramente socialista
precisamos difundir em nosso meio a capacidade de identificação com aqueles a
quem o progresso não tem feito qualquer justiça.
Cabe, ainda, às fundações partidárias uma missão
muito específica e para a qual precisamos contar com o apoio dos parlamentares
do PSB. Para qualificar a atividade política e a gestão pública é fundamental
que as fundações alcem a condição de verdadeiras universidades de governo, que
se habilitem a qualificar quadros para a atuação partidária, dentro das
perspectivas da moderna administração pública. Temos que estimular e
eficiência, a economicidade e a responsabilidade, sem esquecer que tudo isso
obriga a intensificar a cooperação interfederativa, a transversalidade e
intersetorialidade na implantação das diferentes políticas públicas.
Caros amigos, creio a este ponto já ter abusado o
suficiente da generosidade de todos. O tempo que tomei, contudo, não reflete um
protocolo. Trago à luz convicções que se enraizaram em mim, em uma vida de
operário das causas protagonizadas pelo PSB e por seu socialismo democrático,
que continua sui generis, porquanto não realizado. Encontro nessa condição um
contentamento genuíno e de todo contrário ao senso comum; aos ditames da grande
mídia e aos prognósticos niilistas que muitos, de suas cátedras, gostam de
veicular. O socialismo continua sendo uma verdadeira ousadia, ainda é motivo de
certo escândalo e, não raro, tenho a sensação de que em minha maturidade não
envelheci, porque o frescor de minhas convicções ainda me anima, da mesma forma
que o faz reiteradamente o nascer do dia.
Olho com confiança serena o futuro do PSB, pois sua
determinação política em construir um mundo mais justo vai de ombro com a
jovialidade que o caracteriza. Encontram-se entre nós lideranças que ainda têm
a sua frente décadas de atuação em prol do Brasil. Lembro dessa condição
particular de nosso partido por meio de lideranças que se formaram juntamente
com Eduardo Campos, no seio de uma genuína expectativa de mudança do País, de
que são exemplos Beto Albuquerque, Marcio França, Ricardo Coutinho, Rodrigo Rollemberg,
Renato Casagrande, Geraldo Julio, Paulo Câmara e Camilo Capiberibe.
Sabemos todos, contudo, que não se trata exatamente
de indivíduos. O arejamento político que esses nomes encarnam e representam é
aquele dos que vislumbram um momento do tempo, em que o presente fará justiça
ao passado de sofrimento de toda uma gente. Esse sentimento de que um outro
mundo é possível, tenhamos certeza, é um SER, que habita corações e memória,
que povoa a esperança dos de baixo. Eu tenho felicidade de encontrá-lo quase
que diariamente entre aqueles que me cercam. Se eu tivesse, contudo, apresentar
este SER aos que que ainda não o conhecem, não hesitaria em dizer que para
vê-lo basta direcionar o olhar aos olhos de homens como João Mangabeira, Jamil
Hadadd, Miguel Arraes e Eduardo Campos.
As centelhas que emanam de seus olhares são
fagulhas de um futuro que não se baseia na indiferença generalizada pelo outro;
de um tempo um que o socialismo democrático será não uma promessa, mas a
realização plena da reconciliação entre igualdade e liberdade.
Muito obrigado.
Nenhum comentário