Renata não caiu em prantos publicamente e se mostra tranquila apesar da
perda, confortando os filhos
RECIFE —
No fim do dia de quinta-feira, o movimento na casa da família Campos estava
intenso. Eram muitos os familiares, amigos e políticos que acompanharam desde
sempre a trajetória de Eduardo Campos e queriam estar perto de “dona Renata”,
como ele chamava a mulher, e dos cinco filhos do casal. O ambiente era dolorido
e, em quase todos os rostos, olhos marejados e expressões de consternação. Eram
dezenas de pessoas reunidas na parte externa, divididas entre a varanda e a
área arborizada ao redor da piscina. Quase todas de pé. Em torno do bebê
Miguel, filho caçula do casal, que passava de colo em colo, estavam os únicos
sorrisos visíveis na casa.
Dona
Renata surpreendia a todos. Talvez por ainda não ter realizado a perda tão
inesperada, ela se mostrava forte, até leve, andando entre as pessoas e
conversando com os que lhe procuravam para apresentar condolências. Não caiu em
prantos publicamente, apesar do olhar avermelhado, que carregava ainda na noite
de ontem, de quem está sentindo a dor como uma força constante. Às vezes,
parecia ser ela quem tranquilizava seus interlocutores. Ela contou sua última
conversa por telefone com o marido: haviam falado sobre o perfil das possíveis
primeiras-damas, ela e Letícia Weber, mulher de Aécio Neves, que havia sido
publicado no GLOBO no dia do acidente.
Renata
estava já no avião, embarcando do Rio de Janeiro para Recife, na manhã de
terça-feira, quando recebeu o telefonema de Eduardo. Ele brincou:
— Olhe,
você saiu no jornal!
Ela,
espirituosa, respondeu:
— Ah, é?
E você, escapou? — pergunta que costumava fazer sempre que a família sabia que
sairia uma reportagem sobre o marido.
Eduardo
retrucou:
—
Disseram lá que você manda em mim!
Dona
Renata riu e pediu que ele lhe enviasse uma cópia do texto. Desligou o telefone
e voou. Quando desembarcou em Recife, ligou o aparelho e a primeira mensagem
que entrou foi a foto reproduzindo a reportagem. Também foi a última mensagem
que recebeu do marido.
Ontem,
ela contava essa história como se fosse mais uma conversa trivial e não a
última entre marido e mulher.
— Não
estava no script — concluiu Renata, repetindo uma expressão que vem usando a
muitos que se aproximam para consolá-la.
Conselheira
de Eduardo
Nesse
momento, chegou outra viúva, que permaneceu em um abraço com Renata que durou
mais que alguns minutos. Era Eliane Aquino, a mulher do ex-governador de
Sergipe, Marcelo Déda, falecido em decorrência de um câncer no final do ano
passado. Campos e Déda eram amigos. Assim como Renata, Eliane também tem um
filho pequeno com síndrome de Down e citou as semelhanças entre a história que
se abateu sobre as duas:
— Os dois
eram nordestinos, tão jovens, morreram em São Paulo e nos deixaram filhos
especiais. Me disseram que um dia eu ia entender o porquê da vinda do meu
filho. Você também, Renata.
Renata
respondeu que um padre também lhe havia feito essa afirmação. E lembrou que o
batizado do filho Miguel aconteceu em uma igreja pequenina, exatamente um mês
antes do acidente de Eduardo:
— Eu
sabia que ele seria eleito e não queria um batismo grande, de filho de
presidente.
Renata é
uma mulher discreta, de bastidores, conselheira fundamental de Eduardo, mas que
deixava a ele a atuação na linha de frente. Outra frase que ela tem dito aos amigos
nas conversas ao redor da piscina e na área externa da casa, onde estão
concentradas as visitas, é sobre a paixão de Eduardo pela política:
— A
política para ele não era só trabalho, era também um hobby.
Os quatro
filhos mais velhos estão sentidos. Mas, talvez confortados na fortaleza da mãe,
aguentam firme o momento. Causa surpresa perceber que, tão jovens, seus olhares
sustentam serenidade. Em meio ao furacão de mudanças, o homem mais velho, João
Henrique, de 20 anos, comentou com colegas que um grande desejo e preocupação
da família nesse momento é encontrar o relógio e o cordão de ouro com
medalhinhas que Eduardo carregava sempre. As medalhinhas foram sendo acumuladas
ao longo da vida do político e têm um valor sentimental imenso para a família,
apreensiva com a possibilidade de não conseguir resgatar dos escombros esse
fragmento de lembrança.
José
Henrique, de 9 anos, o filho caçula até a chegada de Miguel, parece ainda não
entender bem o que está ocorrendo. Ele anda entre os irmãos e os amigos, depois
vai para o colo da mãe. Abraça Renata, fala algo em seu ouvido, afunda a cabeça
em seu peito e depois sai, sem aparentar ter chorado. João e Pedro, o filho do
meio, de 18 anos, ficam orbitando perto da mãe e dos amigos e namoradas que
vieram dar forças. A menina, Maria Eduarda, de 22 anos, tem lágrimas nos olhos,
mas consegue sorrir ternamente sempre que conversa com alguém.
APOIO A
OUTRA VIÚVA
No início
da noite, a jornalista Cecília Ramos, esposa do assessor de Eduardo, Carlos
Percol, que também estava no voo, chegou à residência. Muito jovem,
recém-casada, Cecília mostrava seu luto com um vestido preto e choro constante.
Coube a Renata, que usava calça jeans e uma bata branca, consolá-la. Assim que
a viu chegar, a anfitriã dirigiu-se à entrada da casa e abraçou sua companheira
de tragédia. Cecília foi se acalmando, e logo começou a missa em homenagem aos
maridos e demais vítimas do acidente. Foram os filhos que fizeram as leituras
na celebração, na varanda da casa. João foi encarregado pelo Padre Luciano
Brito de ler um trecho do Livro de Jó, que fala sobre vida eterna.
O diretor
de cinema Guel Arraes, tio de Campos, também aparentava estar muito sentido com
a morte do sobrinho. A um grupo, dizia que Eduardo seria “insubstituível” na
política:
— O Eduardo
tem uma personalidade muito própria. Ele é neto do Miguel Arraes, foi muito
próximo do Lula, e podia simplesmente ter imitado um dos dois. Mas não, ele tem
uma personalidade brilhante, muito própria. Nem o sobrenome Arraes ele usou,
adotou o Campos, só dele.
A mãe de
Eduardo, Ana Arraes, externava de forma mais visível sua dor. Chorava bastante
e era confortada pelos amigos. Padre Pedro Rubens, reitor da Universidade
Católica de Pernambuco, que se dizia contagiado pela disposição política de
Eduardo e foi prestar sua homenagem ao ex-governador, resumiu o sentimento,
ainda incompreensível:
— É uma
saudade do futuro.
Agência O Globo
Nenhum comentário