Por (Clara Roman)
Carta Verde
Desde a semana passada, Açailândia, uma cidade de 105 mil habitantes no interior do Maranhão, assiste à sua própria versão da Marcha dos Indignados. Na quinta-feira 8, cerca de 1.500 pessoas ocuparam uma das principais rodovias da região, paralisando o trânsito por algumas horas. Cinco dias depois, outro grupo voltou a protestar, desta vez contra a presença da governadora Roseana Sarney (PMDB) na cidade.
As causas, ao contrário das reivindicações macroeconômicas dos indignados europeus e americanos, referem-se a um problema de saúde pública que uma das comunidades do município, Pequiá de Baixo, sofre há vinte de anos. Vizinha de fábricas de siderurgia, a comunidade convive com níveis desumanos de poluição. Há cerca de duas semanas, por exemplo, uma moradora morreu em decorrência de um câncer de pulmão. Dois anos depois de seu marido morrer pelo mesmo motivo.
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Após inúmeras denúncias, encabeçadas pelo Ministério Público Estadual e pela Defensoria Pública, as indústrias e o governo local se comprometeram a construir um conjunto de moradias em uma área despoluída. O processo, no entanto, caiu há algumas semanas em um impasse jurídico. Isso porque o proprietário das terras que seriam desapropriadas pela prefeitura para alojar a comunidade entrou com uma liminar para impedir que o processo continuasse.
A ação está parada deste então. Com as casas cobertas de fuligem, os cerca de 1.100 moradores estão revoltados com a baixa efetividade da Justiça e iniciaram as mobilizações. “O lugar é conhecido como ‘Cubatão da Amazônia’, diz Danilo Chammas, advogado da ONG Justiça nos Trilhos e que tem auxiliado juridicamente a questão. Mais de 60% das pessoas que vivem próximos à área atingida apresentam problemas pulmonares. Reclamações de falta de ar são frequentes.
Mesmo assim, os órgãos oficiais jamais foram ao local para medir o grau de poluição da área, segundo Chammas.
A única “prova” é um relatório produzido pela ONG Justiça Global e pela Federação Internacional de Direitos Humanos, que fizeram um levantamento dos problemas de saúde da população vinculados a fuligem e poluição lançados pelas fábricas de ferro-gusa. Mas até hoje não foram tomadas medidas de mitigação dos poluentes ou aumento da fiscalização.
As empresas fazem parte da cadeia de produção da Vale. O minério extraído pela empresa no Carajás, no Pará, é levado até as siderúrgicas da região para ser transformado em ferro, que é exportado nos navios da Vale no porto de São Luiz (MA). A Vale, por meio de assessoria de imprensa, manifestou que a empresa tem colaborado com o poder público e comunidade local para a discussão das alternativas de solução do problemas. Assim, apresentou um diagnóstico das condições de moradia e diretrizes para a construção de um conjunto habitacional e colocou-se à disposição para erguer o novo bairro. “No momento, a empresa aguarda indicação das autoridades locais sobre o terreno para onde deverá ser elaborado o projeto”, diz a nota.
As casas para as famílias afetadas seriam construídas no terreno desapropriado através do programa Minha Casa, Minha Vida, com financiamento da Caixa Econômica Federal. Mesmo assim, os moradores teriam de pagar seis mil reais. O primeiro lote estava planejado para o fim do ano, mas, com o processo travado, não há previsões de quanto problema será solucionado.
Romildo de Assis, advogado dos proprietários da área onde seriam levadas as famílias, afirma que seus clientes, Helios Braz e Zelia Aparecida Oliveira, moram no local e se sustentam com a criação de gado. “Meu cliente não concorda com o valor depositado pela prefeitura”, diz o advogado.
O padre Dário Bossi, que tem lutado ao lado dos moradores para conseguir realizar o reassentamento, afirma que a posição da prefeitura – que ordenou desapropriação – não ficou clara.
“A prefeitura obedeceu ao Ministério Público emitindo a desapropriação do terreno indicado. Fez a parte dela. Mas depois, quando a desapropriação foi contestada, não defendeu sua própria decisão”, diz ele.
A situação se agrava ainda mais porque, segundo o padre, o Posto de Saúde da comunidade foi fechada há cerca de um ano e os moradores têm de caminhar cerca de três quilômetros para serem atendidos na localidade mais próxima.
Conduzidas pela Promotoria e pela Defensoria, as negociações reuniram empresas de ferro-gusa e a própria Vale, além de prefeitura e governo estadual. O Sindicato das Fábricas de Ferro-Gusa do Maranhão (SIFEMA) havia se comprometido a transferir 400 mil reais para que a prefeitura desapropriasse o terreno. “A gente fica discutindo processos, mas quem vai lá, vê que a situação dessas pessoas é muito triste”, diz Chammas.
Área irregular
O Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema) manifestou que a área ocupada pela comunidade Pequiá de Baixo é classificada como ‘distrito industrial’. Assim, segundo a Associação, é um local que não poderia abrigar residências. O órgão argumenta que por uma ausência de ações do poder público, dezenas de famílias se instalaram ilegalmente em terrenos à margem da BR–222 , dando início a uma ocupação irregular que resultou no local denominado Pequiá de Baixo, em frente às siderúrgicas.
Segundo a nota, as empresas têm mecanismos de mitigação de danos, como filtros para reduzir emissões e um “rigoroso controle dos processos produtivos”. E ressalta que a área é desprovida de infraestrutura básica e que parte da poluição provém do tráfego da BR-222. ”Dadas essas condições, o local, por si só, poderia ser considerado insalubre, mesmo que não existissem indústrias instaladas na região”, afirma.
Além disso, o Sindicato destacou que tem cumprido com suas responsabilidades sociais e legais. “Prova disso é que as indústrias cumpriram o compromisso firmado em acordo com o Ministério Público Estadual, onde as siderúrgicas se comprometeram a adquirir um terreno para onde a população será realocada”. Assim o depósito de 400 mil reais foi efetuado. “Agora, as empresas aguardam a solução do caso, bem como o cumprimento dos compromissos assumidos pelos demais parceiros”.
(Foto siderúrgica fumaçando: Justiça Global. E foto de Clara Roman)
Eduardo Hirata disse:
2011-12-14 20:33:08
Esse SIFEMA é muito descarado e cara de pau! Quando as siderúrgicas chegaram bombando o Pequiá de Baixo já tinha muita gente, campesina morando por lá, depois foi chegando mais gente, atraidas pela abertura da Rodovia Açailândia-Santa Luzia (parte da Br 222), quando Sarney foi governador (nos tempos rudes da ditadura). E dizer que quem polui é a rodovia é baixaria, típica dessas industrias arrogantes, que lucram a custa da saúde, da vida, da dignidade daquele povo simples, com a cumplicidade do poder público, inoperante e omisso! Conheci muito bem o Pequiá de Baixo, muito antes da "colonização guseira", no comecinho dos anos setenta.Meus pais vieram para cá no final dos anos sessenta. Eta SIFEMA descarado.
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